domingo, 3 de outubro de 2010

Ultramaratonista fala sobre o prazer de correr grandes distâncias

Adilson José Pereira, ou simplesmente Ligeirinho, apelido que ganhou de um amigo e que o tornou um dos nomes mais conhecidos do Brasil em ultramaratonas, vive uma busca incessante por quebra de recordes. Ele treina cerca de 900 km por mês. Ligeirinho conta aos leitores do Mantiqueira como é a vida de um super atleta, as dificuldades para manter num grande nível técnico aos 42 anos e anda ter tempo para a família - esposa, duas filhas e uma netinha.
Mantiqueira - Como alguém pode gostar de correr ultramaratona, um esporte difícil e até certo ponto perigoso para a saúde?
Ligeirinho - Talvez pelo prazer da conquista e da superação ou então pela busca dos meus limites e ainda simplesmente pelo amor ao esporte. É difícil encontrar uma resposta certa para esta pergunta, já que eu mesmo me questiono sobre o gosto incondicional pelas ultramaratonas. Não tenho pretensão de me achar melhor que ninguém, mas busco fazer o que faço com muita seriedade. Sou uma pessoa que busca a concretização de todos os projetos de vida e quando completo um longo percurso e chego em primeiro lugar é uma vitória da minha própria insistência e acabo me realizando. Neste momento todo o sacrifício foi compensado. O sentimento de vitória dentro de mim mesmo é indescritível e por isso não quero parar nunca de praticar este esporte.
Mantiqueira - Você não se desgasta muito nestas ultramaratonas?
Ligeirinho - As longas distâncias seduzem muitos corredores. Milhares em todo o mundo treinam exatamente com o objetivo de vencer o que parece ser invencível. O prazer acaba superando qualquer cansaço e todas as dificuldades das provas. Claro que correr uma ultramaratona desgasta qualquer humano, mas como já disse a garra e a determinação ajudam a superar tudo.
Mantiqueira - Como é uma prova de ultramaratona?
Ligeirinho - Pode variar por quilometragem ou por tempo determinado. As provas mais comuns sãos de 50 km, 50 milhas, 100 km, mas todas com tempo limite específico. Dentre as ultramaratonas por tempo determinado as mais comuns são feitas em 6, 12, 24 ou 40 horas. Neste tipo de corrida o competidor precisa cobrir a maior distância possível do tempo determinado pelos organizadores. Nestas provas longas existem intervalos variados para o competidores fazerem algumas de suas necessidades. Muitos conseguem até tirar um cochilo. Nas provas de trilhas, como a BR-135, os atletas encontram osbtáculos naturais - pedras, córregos, raízes, montanhas - e o desafio acaba sendo ainda maior. Nas provas de 24 horas o principal adversário do atleta são as mudanças de clima, que atrapalham muito no desempenho.
Mantiqueira - Como é a alimentação de um super atleta?
Ligeirinho - A maioria dos atletas corre com a própria suplementação para evitar supresas desagradáveis. É fundamental que se tenha uma equipe de apoio cuidando especificamente disto. Esta equipe tem que cuidar de detalhes, como agasalhos, tênis, alimentação correta, auxílio médico, tudo que possa ajudar para o resultado na competição seja o melhor possível.
Mantiqueira - Qualquer atleta pode correr ultramaratona?
Ligeirinho - De forma alguma. Numa prova de ultramaratona podem ocorrer inúmeras complicações, problemas de saúde, cardíacos, lesões em todo o corpo, nos músculos, enfim, uma série de fatores. O atleta precisa de monitoramento constante nas provas e mesmo assim muitos acabam ficando no meio do caminho.
Mantiqueira - Qual o maior desafio de um ultramaratonista?
Ligeirinho - Superar a vontade de parar, buscar a vitória a todo o momento, não desanimar nunca, passar por cima das dores. O impacto dos pés no chão causa microlesões das fibras musculares. Outro problema comum são as náuseas, que acabam sendo motivo de muitos abandonos. Sem contar ainda as bolhas nos pés, mas isso é comum em qualquer corredor e é mais fácil superar. A dica para evitar as bolhas é nunca usar tênis novo e nem muito velho nas competições. Procure um meio termo.
Mantiqueira - Diante de tudo que você relatou, podemos concluir que um ultramaratonista é meio "louco"?
Ligeirinho - Nada disso, é uma pessoa capaz, que diante das dificuldades tenta superar uma a uma, ou pela vontade de vencer ou pela vontade de superar limites ou simplesmente pelo amor ao esporte. Só quem já viveu a emoção de vencer uma ultramaratona, ou simplesmente completar uma prova de longa distância, sabe do que estou falando. O sentimento é indescritível. A sensação é de que você pode superar todos os problemas da vida.
Mantiqueira - Qual o limite da vida para você?
Ligeirinho - É viver tudo intensamente em cada momento da vida, buscar os sonhos, não parar nos limites. A vida é assim, cada dia vamos aprender uma lição e vamos tentar colocar em prática.
Mantiqueira - Como está sua rotina de treinamentos?
Ligeirinho - Como sempre, levanto de madrugada, treino muito, tanto na pista como musculação. É um treinamento muito puxado que começa pela madrugada e vai até a noite.
Mantiqueira - Quais as suas próximas competições?
Ligeirinho - Estou me preparando para disputar as 24 Horas de Campinas. Esta prova na realidade vai ser de preparação para a BR-135, que será realizada em janeiro. Sou o único atleta que tem possibilidade de ser tricampeão desta prova e estou focado em buscar este título. Este ano todo foi voltado à preparação da BR 135 do ano que vem. Este ritmo de treinamento eu não tinha há muitos anos e estou ficando bastante cansado, mas confiante num bom resultado. A maior dificuldade é ter que conciliar os treinos com o trabalho. Não sou um atleta profissional como a maioria dos meus adversários. Eles vivem das corridas enquanto eu preciso trabalhar para manter minha família. Meu desgaste é maior que de qualquer atleta profissional. Nos meus treinamentos subo o morro do Cristo Redentor três vezes por semana, treino na João Pinheiro, rodovia do Contorno e ainda na pista de atletismo, que foi liberada pelo secretário de Esportes.
Mantiqueira - O trânsito é um obstáculo nos treinamentos?
Ligeirinho - E como. Tento fugir dele, mas não consigo. Muitos motoristas não estão preparados para estar no volante de um carro, não respeitam nem mesmo uma faixa de pedestre. Já me aconteceu um quase atropelamento até mesmo na calçada. A pessoa acha que porque tem um carro é dona da rua e o pedestre sofre muito em Poços de Caldas, que tem um trânsito muito ruim. Nos finais de semana procuro treinar também na estrada de Pocinhos do Rio Verde, que é mais tranquila.
Mantiqueira - Em que posição você se encontra entre os ultramaratonistas do Brasil?
Ligeirinho - Sou o atual campeão da BR-135, uma das principais provas da modalidade e isso me credencia a estar entre os dez melhores do Brasil.
Mantiqueira - Que reconhecimento você tem hoje?
Ligeirinho - Tenho pouco apoio da mídia. Em Poços, o Mantiqueira e a TV acabam sendo os maiores divulgadores dos meus resultados, mas na verdade sou mais reconhecido fora de Poços de Caldas. O ultramaratonista tem poucas chances de aparecer. Acontecem, no máximo, quatro provas ao ano e talvez este seja o motivo da pouca atenção que recebemos. A mídia regional é fraca neste apoio e muitas vezes a gente fica esquecido. Não temos a mesma atenção que o futebol tem.
Mantiqueira - Esta vida compensa?
Ligeirinho - Se for pensar na parte financeira você acaba desistindo. A ultramaratona dá pouco prêmio e muitos gastos. Para correr na BR 135 é preciso pagar uma inscrição de R$ 750 reais seis meses antes. É preciso manter uma equipe de apoio com muitas pessoas além de um ou dois carros te acompanhando. Um par de tênis por mês, muitas meias ao ano. Muito gasto, pouco retorno. Se você quiser ganhar dinheiro com a ultramaratona precisa correr fora do Brasil. Temos como exemplo o Valmir Nunes, hoje um dos melhores atletas do mundo que quase não correu dentro do Brasil. Fez uma carreira no exterior e ganhou muito dinheiro.
Mantiqueira - Você pensa em correr fora do Brasil?
Ligeirinho - Tenho vontade de competir fora do Brasil. Morar não. O problema é dinheiro, pois precisa-se de um bom apoio para isso.
Mantiqueira - Como você consegue bancar seus gastos nas provas?
Ligeirinho - Tenho o apoio de Centro Otorrino, Alcace, Taú Esportes, Madeireira Chiqueirão, Equipe Pé Q Voa, Neo Nutri, Cirúrgica Fênix, Frigonossa, Equipe Corpus e a Loja da Borracha. O Dr. Mário do Centro Otorrino, além de me apoiar, ajuda com toda a parte médica e vem sendo muito importante na minha carreira. Tem ainda o grande trabalho do meu treinador José Luiz, do Rondinelli, que cuida da parte burocrática. Esta é esta minha equipe. Eles correm junto comigo nas provas. Não posso deixar de falar do apoio da Secretaria de Esportes, que liberou a pista nova de atletismo para meus treinamentos.

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