Mestre Luiz Kong
Comecei minha caminhada junto a esta cultura corporal chamada capoeira aos quinze anos de idade, em 1975, quando conheci o famoso mestre Cidão. Mestre Cidão foi trazido para Poços de Caldas pelos diretores de cultura do Clube Chico Rei, denominado hoje de Centro Afro-Brasileiro Chico Rei, na gestão do saudoso Mário Benedito Costa, presidente fundador da entidade.
Os diretores Maria José (Tita) e Clóvis Roberto Costa nos apresentaram a dádiva da capoeira, que passa a nos acompanhar por toda a vida. Na época, nossa Poços de Caldas contava somente com karatê, kung-fu e judô, ouvíamos falar sobre a capoeira apenas através de noticiários ou comentários nos jornais, rádio e televisão.
A capoeira chegou aqui em uma época que a sociedade começa a aceitar a presença dela, uma vez que a carga de preconceito ainda era muito grande. Como tudo na vida se transforma, com a capoeira não foi diferente, ela surge na senzala, como uma luta sangrenta (luta de libertação), passa pela briga de rua e chega nos moldes de hoje: show acrobático, luta, dança, jogo e brincadeira.
Foi nesse formato que cheguei a minha formatura, na chamada Capoeira Regional de Mestre Bimba. No Chico Rei tive vários companheiros, como Vitor Marquese, o capoeirista mais velho da cidade (já era corda amarela quando chegou ao Chico Rei), Elidio, Bica, Sérgio (apelidado de Chica da Silva), Silvonei, Luiz Antonio, Rosimeire, Sena (hoje mestre Sena), entre muitos outros.
Quando o mestre Cidão não quis mais permanecer em Poços de Caldas, Sena, apaixonado pelo carinho e dedicação que aprendeu com a maneira do mestre, nos passa esta arte, pois havia percebido a essência disciplinar e educativa existente não só para a roda de capoeira, mas para a roda da vida, procurou chamar mestre Reginaldo Santana.
O mestre era da nossa região, campeão em vários campeonatos brasileiros de capoeira e morador da cidade de Passos-MG. Sena o adotou como mestre e após alguns anos foi também reconhecido como um e nesta oportunidade, após um período de tempo, também me concedeu o título de mestre nesta arte e cultura chamada Capoeira Regional de Mestre Bimba.
Em posse do título, ministrei aulas no Sesc durante 10 anos aproximadamente, quando em uma quarta-feira recebi da portaria um convite que dizia: “Encontro de Guardiões da Capoeira Angola da Bahia, que acontecerá na cidade de Salvador, bairro Fazenda Grande do Retiro”. O bairro abrigava a chamada “nata da capoeira angola”, aquela que é a capoeira mãe, que surge na senzala.
Mestre Caiçara, mestre Virgílio e mestre Mauro Bom Cabrito residiam no local, que também era frequentado por mestre Paulo dos Anjos, mestre João Pequeno, mestre bola 7, mestre Augusto, mestre Bigodinho e mestre Boca Rica. No bairro também vivia o capoeirista César Carneiro, que contracenou com o artista Van Damme, no filme Esporte Sangrento.
Confesso que fiquei muito incomodado com aquele convite, além de pensativo em relação à importância do evento para o meu curriculum e como eu poderia participar, levando em consideração que o custo de vida e passagens aéreas em 1998 eram muito altos, era tudo muito difícil. Lembrei de um amigo que conheci no Chico Rei, Nelson de Barros Areli, e como diz o velho ditado “Quem tem amigos, jamais estará sozinho”.
Nelson residia em São João da Boa Vista e lá trabalhava no fórum como promotor de justiça. Ele não mediu esforços para me auxiliar, tornando possível que eu pisasse pela primeira vez em um avião, que em um só voo aterrissou na conhecida Terra da Capoeira, Salvador - Bahia. No período que antecedeu este evento, eu me preparei muito, foram treinos e mais treinos, para que eu pudesse estar bem.
O evento duraria aproximadamente uma semana, cheio de vivências com aqueles famosos mestres da Capoeira Angola. Estranhei tudo desde o primeiro dia, estava acostumado a viver a capoeira com o público jovem e lá todos eram mais de idade e possuíam um ritual, uma organização entre eles e de jogo completamente diferentes de tudo o que já havia vivenciado antes.
O respeito a individualidade era muito grande e com isso me apaixonei por aquela profunda representatividade da verdadeira essência da Capoeira Angola. Falei com mestre Renê Bittencourt, o criador e responsável por aquele grande evento, o meu desejo de abandonar tudo o que havia conquistado até ali desde os meus quinze anos, para começar uma nova jornada com a Capoeira Angola, tendo ele como meu mestre.
Durante dois dias do evento fiquei extremamente ansioso pela resposta do mestre, quando na sexta-feira, antes da roda, mestre Renê aceita minha proposta e diz: “Se realmente sua pergunta for um profundo desejo, a Acanne [Associação de Capoeira Angola Navio Negreiro] te receberá de braços abertos”. Foi desta data, outubro de 1998 em diante, que iniciei minha transformação para os moldes de um angoleiro.
Corpo e mente, mente e corpo, música, história, pesquisa, estudo, ancestralidade, além do domínio para a interação do corpo com o outro no momento da roda. Idas e voltas de Salvador-BA, 21 anos de caminhada, até que, para minha surpresa, neste mês de outubro (2019), na festa de comemoração de 60 anos de mestre Renê, vim a receber o título de mestre da Capoeira Angola.
Na presença de vários mestres, como mestre Virgílio e mestre Jegue. Uma mestria conquistada na Terra da Capoeira, terra de mestre Pastinha, mestre Bimba, João Grande, João Pequeno, Aberrê, Canjiquinha, entre outros. Tudo isso veio direto para somar com a história da nossa querida Poços de Caldas. Gratidão ao meu Deus Todo Poderoso, que me deu saúde e condições para este fruto.
Gratidão a minha esposa e filhos, que muito passaram com a minha ausência, gratidão ao grande amigo Nelson que me confiou a ajuda para conhecer de perto a verdadeira essência da capoeira. Gratidão ao meu grande mestre Renê, pelos puxões de orelha, não me deixando desanimar, gratidão aos meus alunos e alunas, além dos companheiros que estiveram juntos absorvendo tudo o que eu trazia. Salve Bahia, Salve Salvador, a Terra da Capoeira. Salve Poços de Caldas por sediar essa mestria.
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