Aspirante à Fifa e considerado pela grande mídia como a revelação da arbitragem brasileira, o poços-caldense Sandro Meira Ricci é nome quase certo para representar o Brasil em futuras Copas do Mundo. Ele esteve em Poços de férias e foi entrevistado pelo Mantiqueira. Sandro conta um pouco de sua trajetória desde que deixou a cidade e fala um pouco sobre os bastidores do futebol nacional.
Mantiqueira - Até quando você viveu em Poços de Caldas?
Sandro Meira Ricci – “Sou nascido em Poços de Caldas mas com apenas dois anos de idade fui para Brasília. Meu pai, funcionário do Banco do Brasil na época, foi transferido para a capital federal. Passei infância e adolescência lá, porém, todos os feriados e férias escolares eu vinha a Poços. Eu frequentava o clube da Caldense. Joguei amadoramente futebol em Milão, na Itália, morei naquele país durante três anos. Ao retornar ao Brasil eu treinei no Brasília, uma equipe do Distrito Federal, mas percebi que a pressão era grande e eu não aguentaria e resolvi desistir de vez da ideia de ser um jogador de futebol”.
Mantiqueira – Como surgiu a vontade de ser um juiz de futebol?
Sandro Ricci – “Em 1994 eu estava acompanhando a Copa do Mundo e ao assistir à final coloquei na cabeça que queria participar de eventos importantes como aquele. Comecei a trabalhar a ideia de ser um árbitro. Conclui a faculdade de Economia e em 2003 consegui fazer o curso de árbitro, já aos 30 anos de idade. Em 2004 coloquei o primeiro apito na boca e comecei a atuar em jogos de futebol. Já naquele ano fiz finais de categorias de base em Brasília. Minha estreia no futebol profissional foi em 2005. Em 2006 passei a integrar o quadro de árbitros da CBF (Confederação Brasileira de Futebol).
Mantiqueira – Como foram os primeiros trabalhos como árbitro da CBF?
Sandro Ricci – Infelizmente logo no primeiro ano enfrentei alguns percalços. Num jogo da Série C do Brasileiro tive uma atuação muito infeliz e acabei afastado por um ano. Só era convocado para ser reserva, atuar como quarto árbitro e não tive chance nenhuma para apitar jogos. Graças ao apoio que recebi do Jorge Paulo no final do ano de 2007, que acreditou no meu potencial e praticamente me recolocou no caminho da arbitragem, voltei a fazer jogos importantes e na época apitei a partida entre Remo e São Caetano pela Série B do Brasileiro. Essa partida decretou o rebaixamento do Remo para a Série C. Tive uma boa atuação e já no ano seguinte comecei a trabalhar em grandes campeonatos. Fiz jogos da Copa do Brasil, que é uma espécie de torneio experimental para todo juiz de futebol, fiz muitos jogos da série B e cinco jogos da Série A em 2008. Consegui construir um nome junto à Comissão de Arbitragem da CBF. Em 2008 eu fui o árbitro que mais atuou no futebol brasileiro incluindo as vezes em que fui juiz principal e quarto árbitro.
Mantiqueira – 2009 foi o seu grande ano?
Sandro Ricci – Em 2009 comecei a ter mais oportunidades e fortaleci meu nome no cenário nacional. Fiz 17 jogos da principal divisão do nosso futebol, perdi 15 sorteios e de 38 rodadas eu participei de 32, novamente fui o juiz que mais atuou pela CBF. Acabei sendo eleito de forma oficiosa pela imprensa brasileira como a revelação da arbitragem brasileira em 2009 e isso para mim foi uma grata surpresa. Em 2009 ainda acabei passando ao posto de aspirante do quadro da Fifa. O Brasil tem hoje 10 árbitros aspirantes à Fifa e eu sou um deles. Nossos jogos (Copa do Brasil e Brasileiro das séries D, C, B e A) são avaliados pela CBF e novamente me destaquei e fui o árbitro que teve a melhor média da avaliação.
Mantiqueira – Como é lidar com a pressão de grandes jogos?
Sandro Ricci – A preparação da arbitragem hoje é fechada em quatro pilares: o técnico, que é a condição do árbitro para apitar uma partida, o físico, que mostra se ele tem condições de fazer uma partida, o mental, que avalia se ele tem condições de suportar as pressões de um jogo de futebol, incluindo torcida, imprensa e dirigentes, e, finalizando, o social, que avalia o árbitro fora dos campos de futebol, sua formação acadêmica, intelectual, a vida social regrada, pois acabamos nos tornando um bem público. O árbitro não pode trabalhar esses pilares de maneira separada. É preciso trabalhar bem o lado psicológico para reagir bem a todo o tipo de pressão. No começo de carreira você fica impressionado com as pressões mas depois acaba se acostumando devido à experiência que se adquire. O que não pode é o árbitro deixar se levar por essas pressões, normais dentro do futebol.”
Mantiqueira – Você não acha que a arbitragem no Brasil deveria ser profissionalizada?
Sandro Ricci – “Sob um aspecto eu acho que sim. A partir do momento em que existir o juiz profissional da arbitragem ele vai se dedicar exclusivamente a trabalhar os quatro pilares que comentei antes. Por outro lado, a arbitragem como é hoje, que atua em jogos profissionais mas é amadora no ponto de vista legal, nos obriga a compartilhar profissões: a atividade de arbitragem com a profissão que sustenta sua família. Obviamente você se dedicando ao seu trabalho estará tendo menos tempo para se dedicar à arbitragem. Atualmente, o juiz de futebol é muito cobrado, por outro lado, ele não tem essa estrutura que dê a condição de atuar melhor. Fiz um campeonato abençoado em 2009 mas em 2010 tenho que ter atuações melhores, porém, nada é oferecido para essa melhoria a não ser a continuidade do trabalho sério, treinando todos os dias. Para se profissionalizar é preciso muito além de uma carteira assinada, você precisaria ter um plano de saúde, uma condição de treinar a parte física, um plano de acompanhamento de um nutricionista, fisioterapeuta. Acredito na profissionalização desde que ela ofereça ferramentas para que você possa se desenvolver como um atleta. Acho que o Brasil não esteja ainda preparado para isso. Não conheço ninguém que queira ser patrão de árbitro. Acredito que as federações não estão dispostas a dar essa estrutura e arcar com essa responsabilidade. Esse pensamento no Brasil ainda é muito verde, muito recente. Embora as equipes exijam do árbitro uma atuação melhor e sem erros ninguém quer pagar a conta disso. Então, acredito na profissionalização com uma forma de melhorar o árbitro mas vejo que isso ainda é uma realidade distante no Brasil”.
Mantiqueira - “Como você concilia sua preparação para os jogos com as atividades profissionais?
Sandro Ricci – “Praticamente em todos os momentos em que não estou trabalhando ou não tenho compromissos familiares, estou treinando pra estar bem durante as partidas dos campeonatos. Eu mesmo tenho minha academia, meu preparador físico, ou seja, uma estrutura. Tenho condições de ter um plano de saúde. Minha rotina semanal é composta de treinos diários em academias ou pista de atletismo, simulação de partidas. Procuro me preparar o melhor possível para suportar bem uma partida de futebol profissional”.
Mantiqueira – Qual a diferença de um jogo entre grandes equipes e um entre times pequenos para um juiz de futebol?
Sandro Ricci – Para o juiz todos os jogos têm que ter o mesmo peso, não existe camisa em jogo. Se não for assim ele não vai conseguir ter sucesso. A única vez que tive insucesso na arbitragem durante uma partida da Série C foi porque não dei a relevância que aquele jogo deveria ter tido. Lógico que a repercussão de um Fla-Flu, de um Corinthians e Palmeiras é muito maior que a de uma partida que reúne equipes menores do nosso futebol, mas o juiz sério tem que encarar todos os jogos como uma decisão e procurar fazer o trabalho da melhor forma possível, caso contrário ele não vai longe na profissão. Como eu já disse anteriormente, todos os jogos são avaliados por uma comissão da CBF. Encaramos nossa função de forma profissional e assim conseguimos ver todos os jogos de maneira igual, independentemente das divisões para as quais essas partidas são válidas”.
Mantiqueira – Qual o jogador mais complicado: aquele famoso ou aquele que está buscando o seu espaço?
Sandro Ricci – Na verdade não é difícil lidar com nenhum deles. O que acho realmente mais difícil é você não ter direito de resposta. Somos analisados por um lance, criticados, às vezes de uma forma injusta. A pressão da torcida, do dirigente ou do jogador a gente está preparado, não vejo nenhuma de forma negativa. O árbitro tem que estar preparado para isso ou automaticamente não tem condições de atuar numa partida de futebol. A pressão é nivelada, cada um tem seu papel. Para mim a pior pressão é a da imprensa devido a críticas que fazem sem te dar uma chance de se defender. A Fifa também não nos permite falar sobre a parte técnica e chega a ser desumano você ser criticado por um lance e não ter ninguém para analisar seu erro de forma positiva, tentando descobrir o porquê do erro. Geralmente só focam numa crítica que não é nada construtiva. Por essas razões, acho que a pressão da imprensa é a pior para um juiz de futebol”.
Mantiqueira – Como você vê a possibilidade de mais um árbitro auxiliar atrás dos gols?
Sandro Ricci – Sou completamente a favor da colocação de mais um árbitro atrás dos gols. Isso já foi adotado pela Federação do Rio de Janeiro e quanto mais olhos para enxergar o que as câmeras veem melhor. Qualquer ajuda é bem-vinda. Resta saber se nossos dirigentes estarão dispostos a implantar no Brasil todo, pois isso gera um custo alto e não sei até que ponto vai existir interesse em bancar mais essas despesas”.
Mantiqueira – Você acha que em casos em que um juiz influi diretamente num resultado de um jogo ele deveria ser repetido?
Sandro Ricci – “Esses julgamentos são feitos pelo Superior Tribunal de Justiça Desportiva. É importante esclarecer que existe o erro de direito e o erro de fato. O erro de fato é o erro de interpretação, é o erro do ser humano que olha o lance e enxerga outra coisa do que a imagem mostra. É o caso da mão do Henry no jogo entre França e Irlanda. Apesar de ter ficado evidente que aquilo foi mão, o árbitro não viu o lance e isso se caracterizou como erro de fato. Esse tipo de erro não permite que a partida seja realizada novamente. O erro de direito mostra um desconhecimento de regra. Vamos supor que um time joga com 12 jogadores, ganha o jogo e isso é validado pelo juiz. Neste caso caberia a anulação da partida. Todos se preocupam com o erro do árbitro e acho que a preocupação teria que ser em investimento na arbitragem para evitar que fatos assim ocorram.”
Mantiqueira – Na hora do pênalti, como você vê as paradinhas que se tornaram frequentes e até que ponto um goleiro pode se mexer?
Sandro Ricci – Para o goleiro a regra diz que ele não pode tirar os dois pés de cima da linha antes da cobrança. Por outro lado, as instruções da Fifa, que também fazem parte da regra, dizem que o árbitro assistente só deve assinalar a infração se o goleiro se adiantar descaradamente, ou seja, entre não tirar os pés da linha e se adiantar descaradamente existe um espaço que deve ser trabalhado em favor da arbitragem. Logicamente que o árbitro tem que ter bom senso, tomar uma decisão que atenda as duas equipes, que não interfira no trabalho dos times. O impulso do goleiro é natural para defender uma bola mas ao adiantamento, tirando os dois pés da linha, cabe uma punição. Com relação às paradinhas também existe muita polêmica. Me lembro que num jogo entre Atlético Paranaense e Palmeiras, em 2008, houve um pênalti para o Atlético e o Marcos, goleiro do Palmeiras, chegou pra mim e perguntou se eu iria permitir a jogada. Não respondi nada ao Marcos e solicitei que ele retornasse ao gol. Na cobrança o atacante do Atlético deu a paradinha, o Marcos caiu e o jogador marcou o gol. Marcos ficou muito irritado. Segundo ele e os demais jogadores do Palmeiras, na época alguns árbitros não aceitavam o lance como válido mas outros sim. Houve uma polêmica, uma grande discussão naquele momento e depois a paradinha foi legitimada no futebol brasileiro. Não vemos essa paradinha em nenhum outro país do mundo. O Blater, quando esteve no Brasil, fez alguns comentários sobre a paradinha mas até o momento essa jogada não tem nenhuma irregularidade no futebol brasileiro. A regra te dá espaços mas acho que a Fifa deveria tomar uma posição em relação a isso. O jogador brasileiro é criativo e às vezes surpreende até mesmo a Fifa. Pela CBF a paradinha está legitimada e eu vou seguir a regra. Sou a favor do bom futebol e contra qualquer iniciativa que iniba a criatividade do jogador”.
Mantiqueira – Qual jogador do futebol brasileiro é o melhor para se trabalhar e qual é complicado dentro de campo?
Sandro Ricci – Não vou citar quem é o pior por questões óbvias. Aquele jogador que se limita a jogar bola não reclama do árbitro, não fala com a arbitragem, é o melhor de se trabalhar. Maior exemplo hoje é o Petkovit do Flamengo que esse ano jogou muita bola e não fala quase nada com a arbitragem. O jogador fala com a arbitragem por dois motivos, ou ele está cansado ou não está jogando nada. Grandes craques como Zico e Romário, pessoas que realmente jogaram o fino do futebol, você não via falar com o juiz de futebol. Quem reclama não joga e quem joga não fala com o árbitro. Outro grande exemplo é o Hernanes do São Paulo, que é uma pessoa educada, joga muito e respeita a arbitragem”.
Mantiqueira - Quais são suas metas dentro da arbitragem brasileira?
Sandro Ricci – Primeiramente quero fazer parte do quadro da Fifa. Não penso ainda em apitar um jogo internacional ou de Copa do Mundo, tudo tem que ser feito dentro do tempo certo. Primeiro que entrar para o quadro da Fifa e depois sim pensar em competições fora do país. Quero em 2010 fazer um excelente Campeonato Brasileiro. Se não entrar agora para o quadro da entidade máxima do futebol mundial vou ter paciência e esperar 2011 quando o Simon se aposenta e poderei ter minha chance”.
Mantiqueira – Você acompanha o esporte de Poços de Caldas”
Sandro Ricci – Hoje a internet não permite mais que você se distancie de suas origens. Sei o que está acontecendo aqui, fiquei triste ao saber que a Caldense havia caído para a segunda divisão. A Caldense tem uma tradição de estar entre os principais de Minas, foi campeã em 2002 e aquela situação me entristeceu. Depois fiquei satisfeito em saber que a cidade tem outra equipe profissional, que é o Poços de Caldas FC, e torço muito pelo seu sucesso no futebol do interior mineiro e quem sabe do futebol brasileiro. Desejo que a Caldense se mantenha na primeira divisão e brigue por títulos nesta divisão e torço para que o Poços de Caldas consiga também o seu acesso. Ou seja, torço muito para o futebol desta terra maravilhosa.
Mantiqueira – Existe alguma possibilidade de você fazer parte do quadro da Federação Mineira de Futebol?
Sandro Ricci – “Isso dependeria de um convite. A Federação Mineira hoje é muito bem servida de árbitros, grandes nomes do Brasil estão na FMF, tive oportunidade de trabalhar com alguns e acho que a FMF não precisa de mim. Por outro lado devo muito à Federação de Brasília. Foi ela quem me abriu as portas, me deu oportunidades, me acolheu muito bem. Tenho uma dívida de gratidão grande com a Federação de Brasília. Existe uma possibilidade de atuar em alguma partida do Campeonato Mineiro por convite mas não vejo nenhuma necessidade pois o quadro da FMF é muito bom.
Mantiqueira – Quais familiares você ainda possui em Poços de Caldas?
Sandro Ricci – Todos os irmãos de minha mãe e de meu pai são de Poços de Caldas. Em Brasília estão meus pais, eu, minha esposa Gabriela e meus filhos, os demais moram aqui. Então minha ligação com Poços de Caldas é forte pois meus parentes todos estão aqui”.
Mantiqueira – Qual sua equipe de coração?
Sandro Ricci – Claro que todo árbitro já teve sua equipe de coração quando não atuava em competições. Eu não sou uma exceção, já fui fanático, tive minha equipe mas hoje sou um torcedor da seleção brasileira. Infelizmente a população não separa o árbitro. Então, hoje, de coração, me declaro torcedor apaixonado, além da seleção, da Caldense e do Poços de Caldas.
Mantiqueira – Como você vê a arbitragem feminina nos dias de hoje?
Sandro Ricci – Para bandeirar acho muito bom. Elas são mais detalhistas que os homens e o trabalho acaba sendo até melhor. Para apitar não acho que seja o ideal. Não porque elas sejam incapazes, mas sim pelo físico. O homem é mais forte, corre mais e elas não conseguem acompanhar. Se a mulher conseguisse atuar entre os homens a Marta certamente estaria jogando em algum time masculino. Ela é a melhor do mundo mas não aguentaria um jogo de futebol masculino. Eles são mais fortes e logo ela estaria com alguma contusão séria. Não estou sendo machista. É apenas uma questão física. Gosto muito do trabalho das mulheres, mas no esporte existem limitações que precisam ser respeitadas”.
Mantiqueira – Você pensa em um dia voltar a morar em Poços de Caldas?
Sandro Ricci – Como um apaixonado por essa cidade eu pretendo sim um dia voltar a morar aqui. Nessa minha passagem fiz contatos importantes com muitas pessoas, com a imprensa da cidade, com os clubes, enfim, a sociedade futebolística de Poços me recebeu muito bem. Meu sonho é que ao encerrar minha carreira, espero que somente aos 45 anos, como árbitro internacional, quem sabe um dia não apite um clássico local entre Caldense e Poços de Caldas e que esse jogo seja amistoso, para que seja uma partida mais tranquila de apitar. Esse é meu desejo”.
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