sábado, 10 de setembro de 2016

Tatiele Carvalho: a menina humilde que conquistou pódios

PAULO VITOR DE CAMPOS
pvcampos@gmail.com

Poços de Caldas, MG - Tatiele Roberta de Carvalho tem apenas 26 anos, mas já traçou uma bela história de vida. De origem muito humilde e revelada por seu Chico Corredor, ela está hoje entre as principais atletas do país e alça voos mais altos. O grande objetivo foi os jogos olímpicos do Brasil em 2016, quando conquistou a tão sonhada vaga olímpica.

Início

“Aos 10 anos comecei minha vida no esporte e este início foi sem nenhum profissionalismo, apenas por puro prazer. Na época nem passava pela minha cabeça ser atleta de corridas e meu verdadeiro sonho era ser jogadora de futebol. Queria fazer parte de uma grande equipe, no entanto, mesmo jogando bem nunca tive uma oportunidade. Na época eu tinha um primo que estava acostumado a correr nas competições em Poços de Caldas. Ele me levou para treinar atletismo. No início eu não gostei muito da ideia, mas de tanto ele insistir acabei indo treinar. Detestei, achei muito puxado. O futebol era muito melhor, você corre e para, dá uma descansadinha. No atletismo tem que correr o tempo todo, sem parar. Disse para ele que nunca mais voltaria a treinar atletismo. Fiquei afastada durante um mês, resistindo aos incentivos do meu primo, que tentava me fazer voltar a treinar de qualquer maneira. Eu não ia de jeito nenhum. Passados mais alguns meses, meu primo venceu uma prova e ganhou 100 reais. Eu não ganhava nada com o futebol. Lembro direitinho quando ele disse assim: “Viu, sua boba, ganhei 100 reais na Volta ao Cristo e você está perdendo tempo”. Aí coloquei na minha cabeça que eu poderia ganhar muito mais dinheiro que ele (risos). Foi assim que comecei os primeiros treinos para valer no atletismo com o seu Chico Corredor. Levei uma bronca dele, que disse que queria uma atleta firme nos treinos e não uma menina que ia um dia e depois ficava tempos sem aparecer. Concordei com ele. Neste dia ele mandou que eu corresse por 15 minutos, mas eu me empolguei e corri 27 minutos em volta do campo. Eu queria correr meia hora, mas ele não deixou. Levei nova bronca. Foi assim que começou minha carreira e meu trabalho dentro do atletismo de Poços de Caldas”.

Origem humilde

Nasci em Poços de Caldas, mas morei na roça durante oito anos, onde ajudava minha família a cuidar de gado. Quando completei oito anos mudamos para a cidade. Éramos uma família de seis filhos e passamos muitas dificuldades. Chegamos até mesmo ao ponto de não ter o que comer e minha mãe tinha que pedir para o vizinho para conseguir sustentar a gente. Meu pai nesta mesma época nos abandonou. O esporte, através do atletismo, me ajudou a superar essa época difícil. Meu sonho sempre foi dar uma casa para minha mãe e vejo que através do esporte esse sonho pode ser realizado. Minha infância pobre nunca me possibilitou ter nada. Meus pais não tinham condições de me dar nada. Nem mesmo uma roupa ou material de escola, que eram doados por pessoas que sentiam solidariedade por nossa situação. Mas isso tudo teve seu lado positivo e me fez buscar um futuro melhor. Quando entrei para o atletismo eu pensei que tudo isso iria mudar, tudo seria diferente, nunca mais iria passar fome, nunca mais iria passar dificuldades. Vejo minha situação hoje, o que estou conseguindo através do esporte, como a maior conquista da minha vida. Hoje não passo dificuldades. Morei muito tempo com a minha avó e tanto ela como minha mãe não passam mais apuros. O sonho de dar uma casa para minha mãe vai se realizar através de minhas vitórias no esporte e disso eu não tenho dúvidas.”

Apoio da família

“No começo da minha iniciação esportiva minha família me apoiou muito. Até meus 17 anos eles sempre me incentivaram. Hoje a situação mudou um pouco. Eles acreditam no meu trabalho, estão vendo minhas conquistas, mas não são mais aquelas pessoas presentes em minha carreira, devido a minha mudança para Limeira, interior de São Paulo. Sinto muita falta, pois eles são tudo pra mim, são minha família.”

As primeiras provas

Logo na minha primeira competição eu fiquei em quinto lugar na categoria geral e primeira colocada na categoria acima da minha idade. Fui campeã da prova e esse dia foi maravilhoso e me motivou ainda mais a me dedicar ao esporte. Neste período venci e subi ao pódio de várias corridas amadoras. Todos os finais de ano eu ia para a São Silvestrinha. Participar desta prova era uma das minhas alegrias. Nesta época já estava com12 anos. Às vezes não conseguia uma colocação boa e ficava chateada. A premiação era apenas para as cinco primeiras e nesses momentos pensava em desistir. Mas o seu Chico sempre conversava comigo e não deixava eu desistir nunca. Aos 13 anos eu consegui ser a quinta colocada e aos 14 anos fui campeã. Na época, fui vista por várias equipes, cheguei a fazer testes em clubes de São Paulo, passei, mas não tive condições de ir embora, pois era muito nova. Novamente fui desanimando com a situação. No ano seguinte, aos 15 anos, fiquei em terceiro lugar, como eu estava desmotivada não consegui um resultado melhor. Não estava também me dedicando muito aos treinamentos naquela fase de minha vida. Aos 17 anos eu estava mesmo desistindo da carreira e não queria mais saber de correr”.


Profissional

“Consegui superar aquela fase difícil e aos 18 anos resolvi investir tudo no atletismo e dei início a minha carreira profissional. E graças a Deus minha vida mudou radicalmente. Consegui vários títulos e hoje posso falar e me orgulhar de estar entre as melhores atletas do país”.

Transição

“Minha transição foi muito complicada. Trabalhei oito anos com o seu Chico, que foi uma pessoa muito boa para mim, dedicou o máximo que pode de sua vida me ajudando. Pagava minhas viagens. O primeiro tênis que tive foi ele quem me deu, tudo que precisava na minha casa ele me ajudava. Depois de oito anos ele passou meu treinamento para sua sobrinha Juliana e trabalhei com ela por seis meses até conhecer o meu atual treinador Agnaldo Alexandre. A gente se encontrou e ele viu que eu tinha potencial de crescer na carreira e começamos a trabalhar juntos. Na época expliquei tudo para o seu Chico, deixei claro que não era nada pessoal, mas sim porque minha carreira precisava crescer. Ele entendeu a situação e me incentivou dizendo que só queria meu bem e se trocar de treinador era o caminho que eu fosse feliz em minha escolha. Comecei um trabalho com o Agnaldo e tive que perder peso. Foi difícil porque eu não tinha uma disciplina alimentar, comia muito e o Agnaldo mudou tudo radicalmente em minha alimentação. A adaptação foi muito complicada, eu estava acostumada à rotina tranquila de treinos e com o novo técnico tive que treinar mais e mais fortemente, em dois períodos. Passei dois anos  acordando  cinco horas da manhã para treinar. Batalhei, superei o início difícil. Demorei apenas três meses para estar totalmente adaptada ao novo trabalho e logo os bons resultados começaram a aparecer. Este trabalho me proporciona buscar novos recordes. Agora em 2016 participei dos Jogos Pan-americanos de Toronto, no Canadá, em duas provas, 5.000 e 10.000m, e participei do tão sonhado Jogos Olímpicos Rio 2016. Quero, dentro de dois anos, buscar o recorde brasileiro dos 10.000 metros que pertence a Carmem de Oliveira. Este recorde já dura alguns anos, desde 1993, e ninguém nunca chegou perto dele. Quero trabalhar muito para conseguir esse feito importante para minha carreira. Outro grande objetivo é as Olimpíadas de Tóquio, no Japão, quando estarei bem mais experiente em jogos Olímpicos.”

As vitórias


Hoje posso dizer que sou campeã sul-americana sub-23 nos 5.000m e recordista brasileira sub-23 na mesma prova.
Sou tetracampeã do Troféu Brasil de Atletismo nos 1x1500m (2011), nos 1x5.000m(2015) e nos 2x10.000m (2015/2016).
Campeã Ibero-americana nos 3.000m, vice-campeã sul-americana nos 5.000m adulto, vice-campeã sul-americana nos 1.500m adulto,
3ª colocada nos 10.000m dos Jogos Sul-americanos, melhor brasileira na Corrida de São Silvestre 2012, sendo sexta colocada,
8ª colocada nos Jogos Pan-americanos de Toronto, no Canadá, em 2015. Representante do Brasil nos Jogos Olímpicos Rio 2016 sendo 31ª colocada nos 10.000m.


Fechando a temporada
“Estamos treinando duro e o nosso foco para o fim da temporada será no último dia do ano, na Corrida Internacional de São Silvestre, onde tentaremos, com fé em Deus, o pódio.”

Carreira internacional

Estamos nos consolidando lá fora, onde conseguimos competir algumas provas nos Estados Unidos e acreditamos cada dia mais que possamos fazer uma carreira brilhante fora do Brasil. 2015 foi só o começo de muitos compromissos que queremos assumir fora do país.

Equipe/patrocinadores

“Um atleta sem equipe não vai muito longe. Todo atleta precisa de uma estrutura muito grande atrás de si. Hoje represento a equipe Orcampi Unimed de Campinas e tenho como patrocinadores Sicredi, Nike, Blue Mystic, Clínica Vertú, Unimed Limeira. Sou atleta e sargento do Exército Brasileiro, participo do Programa de Alto Rendimento do Exército na modalidade Atletismo.

Especialidade

“Minha especialidade hoje são os 5.000 e 10.000 metros. Corro essas provas com o pensamento em bater recordes. Isso não significa que eu não posso correr sete ou oito mil metros. Chego a participar de duas competições por mês se tiver condições, caso contrário, me dedico apenas aos treinamentos para estar bem durante uma prova. Já cheguei a ficar três meses sem competir, apenas me dedicando aos treinamentos. O treinamento dá mais bagagem do que a competição. No treino você compete com você mesmo e tenta melhorar o desempenho sempre. A competição é você, o tempo e o adversário, é muito difícil. Para o atleta ser forte tem que competir apenas duas provas ao mês e se dedicar muito aos treinamentos. Se participar de três provas tem que passar pelo menos um mês sem competir. No treinamento você pode errar, ele te dá a chance de consertar esse erro. Se você não treina bem não compete bem e não adianta pensar o contrário”.


Agradecimentos

“Sempre agradeço primeiro a Deus, pois superei muitas dificuldades na vida e com Deus tudo ficou mais fácil. Tenho um talento no esporte e também isso me foi oferecido por Ele. Agradeço ainda meu treinador Agnaldo, que nunca deixou de acreditar em mim, sempre esteve ao meu lado, nos momentos bons e também nos momentos difíceis, a todas as pessoas de Poços de Caldas que me ajudaram, pois todas essas conquistas que obtivemos até aqui foram plantadas em várias sementinhas para que gerassem frutos. E muitas pessoas nos ajudaram a chegar até aqui.
Agradeço muito a minha família, e a todos que estiveram conosco durante todos esses anos, afinal de contas são 16 anos de carreira, sendo 8 anos e meio deles profissionais.

Realização olímpica

“Foi algo que sempre sonhamos e acreditamos que poderíamos alcançar e quando esse sonho se realizou foi uma emoção muito grande, pois treinamos todos os dias com muito foco e muita fé esperando para que esse dia chegasse. E chegou, conseguimos fazer jus ao fato de estarmos lá e representarmos o nosso país, estar entre os melhores do mundo é um fato maravilhoso na nossa carreira, eu estou muito feliz e muito emocionada, pois sei de onde saí para competir Jogos Olímpicos, e ainda dentro de casa.
Meu maior orgulho é representar a minha nação, tenho muito orgulho de ser brasileira, e vamos à luta, continuar trabalhando duro para que Tóquio seja maravilhoso como foi aqui no Brasil.

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