sábado, 3 de setembro de 2016

Ultramaratonista fala sobre o prazer de disputar grandes distâncias

Poços de Caldas, MG - Adilson José Pereira, ou simplesmente Ligeirinho, apelido que ganhou de um amigo e que o tornou um dos nomes mais conhecidos do Brasil em ultramaratonas, vive uma busca incessante por quebra de recordes. Ele treina cerca de 900 km por mês. Ligeirinho conta aos leitores do Mantiqueira como é a vida de um super atleta, as dificuldades para manter um grande nível técnico aos 48 anos e ainda ter tempo para a família.

 Mantiqueira - Como alguém pode gostar de correr ultramaratona, um esporte difícil e até certo ponto perigoso para a saúde?
Ligeirinho - Talvez pelo prazer da conquista e da superação ou então pela busca dos meus limites e ainda simplesmente pelo amor ao esporte. É difícil encontrar uma resposta certa para esta pergunta, já que eu mesmo me questiono sobre o gosto incondicional pelas ultramaratonas. Não tenho pretensão de me achar melhor que ninguém, mas busco fazer o que faço com muita seriedade. Sou uma pessoa que busca a concretização de todos os projetos de vida e quando completo um longo percurso e chego em primeiro lugar é uma vitória da minha própria insistência e acabo me realizando. Neste momento todo o sacrifício foi compensado. O sentimento de vitória dentro de mim é indescritível e por isso não quero parar nunca de praticar este esporte.

Mantiqueira - Você não se desgasta muito nestas ultramaratonas?
Ligeirinho - As longas distâncias seduzem muitos corredores. Milhares em todo o mundo treinam exatamente com o objetivo de vencer o que parece ser invencível. O prazer acaba superando qualquer cansaço e todas as dificuldades das provas. Claro que correr uma ultramaratona desgasta qualquer humano, mas como já disse a garra e a determinação ajudam a superar tudo.

Mantiqueira - Como é uma prova de ultramaratona?
Ligeirinho - Pode variar por quilometragem ou por tempo determinado. As provas mais comuns sãos de 50 km, 50 milhas, 100 km, mas todas com tempo limite específico. Dentre as ultramaratonas por tempo determinado as mais comuns são feitas em 6, 12, 24 ou 48 horas. Neste tipo de corrida o competidor precisa cobrir a maior distância possível do tempo determinado pelos organizadores. Nestas provas longas existem intervalos variados para os competidores fazerem algumas de suas necessidades. Muitos conseguem até tirar um cochilo. Nas provas de trilhas, como a BR-135, os atletas encontram obstáculos naturais, pedras, córregos, raízes, montanhas, e o desafio acaba sendo ainda maior. Nas provas de 24 horas o principal adversário do atleta é a mudança de clima, que atrapalha muito no desempenho.

Mantiqueira - Como é a alimentação de um super atleta?
Ligeirinho - A maioria dos atletas corre com a própria suplementação para evitar surpresas desagradáveis. É fundamental que se tenha uma equipe de apoio cuidando especificamente disto. Esta equipe tem que cuidar de detalhes, como agasalhos, tênis, alimentação correta, auxílio médico, tudo que possa ajudar para o resultado na competição ser o melhor possível.

Mantiqueira - Qualquer atleta pode correr ultramaratona?
Ligeirinho - De forma alguma. Numa prova de ultramaratona podem ocorrer inúmeras complicações, problemas de saúde, cardíacos, lesões em todo o corpo, nos músculos, enfim, uma série de fatores. O atleta precisa de monitoramento constante nas provas e mesmo assim muitos acabam ficando no meio do caminho.

Mantiqueira - Qual o maior desafio de um ultramaratonista?
Ligeirinho - Superar a vontade de parar, buscar a vitória a todo o momento, não desanimar nunca, passar por cima das dores. O impacto dos pés no chão causa microlesões das fibras musculares. Outro problema comum são as náuseas, que acabam sendo motivo de muitos abandonos. Sem contar ainda as bolhas nos pés, mas isso é comum em qualquer corredor e é mais fácil superar. A dica para evitar as bolhas é nunca usar tênis novo e nem muito velho nas competições. Procure um meio termo.

Mantiqueira - Diante de tudo que você relatou, podemos concluir que um ultramaratonista é meio “louco”?
Ligeirinho - Nada disso, é uma pessoa capaz, que diante das dificuldades tenta superar uma a uma, ou pela vontade de vencer ou pela vontade de superar limites ou simplesmente pelo amor ao esporte. Só quem já viveu a emoção de vencer uma ultramaratona, ou simplesmente completar uma prova de longa distância, sabe do que estou falando. O sentimento é indescritível. A sensação é de que você pode superar todos os problemas da vida.

Mantiqueira - Qual o limite da vida para você?
Ligeirinho - É viver tudo intensamente em cada momento, buscar os sonhos, não parar nos limites. A vida é assim, cada dia vamos aprendendo uma lição e tentamos colocar em prática.

Mantiqueira - Como está sua rotina de treinamentos?
Ligeirinho - Como sempre, levanto de madrugada, treino muito, tanto na pista, como musculação. É um treinamento muito puxado que começa pela madrugada e vai até a noite.

Mantiqueira - O trânsito é um obstáculo nos treinamentos?
Ligeirinho - E como. Tento fugir dele, mas não consigo. Muitos motoristas não estão preparados para estar no volante de um carro, não respeitam nem mesmo uma faixa de pedestre. Já me aconteceu um quase atropelamento até mesmo na calçada. A pessoa acha que porque tem um carro é dona da rua e o pedestre sofre muito em Poços de Caldas, que tem um trânsito muito ruim. Nos finais de semana concentro meus treinamentos nas trilhas do Hotel Monreale, onde não existe trânsito nenhum de carros.

Mantiqueira - Que reconhecimento você tem hoje?
Ligeirinho - Tenho apoio da mídia. Em Poços, o Mantiqueira e a TV acabam sendo os maiores divulgadores dos meus resultados, mas na verdade sou mais reconhecido fora de Poços de Caldas. O ultramaratonista tem poucas chances de aparecer. Acontecem, no máximo, quatro provas ao ano e talvez este seja o motivo da pouca atenção que recebemos. Não temos a mesma atenção que o futebol.

Mantiqueira - Esta vida compensa?
Ligeirinho - Se for pensar na parte financeira você acaba desistindo. A ultramaratona dá pouco prêmio e muitos gastos. É preciso manter uma equipe de apoio com muitas pessoas, além de um ou dois carros te acompanhando. Um par de tênis por mês, muitas meias ao ano. Muito gasto, pouco retorno. Não sou um atleta profissional como a maioria dos meus adversários. Eles vivem das corridas enquanto eu preciso trabalhar para manter minha família. Meu desgaste é maior que de qualquer atleta profissional. A maior dificuldade é ter que conciliar os treinos com o trabalho. Se você quiser ganhar dinheiro com a ultramaratona precisa correr fora do Brasil. Temos como exemplo o Valmir Nunes, hoje um dos melhores atletas do mundo, que quase não correu dentro do Brasil. Fez uma carreira no exterior e ganhou muito dinheiro.

Mantiqueira - Você já competiu fora do Brasil?
Ligeirinho - Corri na Itália e terminei em sétimo colocado no geral. Foi muito bacana e fiquei uma semana conhecendo um pouco deste lindo país. Mas morar fora do Brasil não quero.

Mantiqueira - Como você consegue bancar seus gastos nas provas?
Ligeirinho - Tenho o apoio do Hotel Monreale, Centro Otorrino e Alcace. O Dr. Mário, do Centro Otorrino, além de me apoiar, ajuda com toda a parte médica e vem sendo muito importante na minha carreira. Tem ainda o grande trabalho do meu treinador Lucas Fernandes.

Mantiqueira - Quais as suas próximas competições?
Ligeirinho – Recentemente, venci as 24 Horas de Campinas e agora estou me preparando para disputar as 48 Horas de Passa Quatro, em Minas, que será realizada em meados de novembro. Antes ainda vou disputar as 12 Horas de Piracicaba, dia 1º de outubro.  A maior dificuldade é ter que conciliar os treinos com o trabalho.

PAULO VITOR DE CAMPOS
pvcampos@gmail.com

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