sábado, 27 de agosto de 2016

Raul Togni Filho avalia o basquete brasileiro nos jogos do Rio e se emociona ao falar da carreira do filho

PAULO VITOR DE CAMPOS
pvampos@gmail.com

Poços de Caldas, MG - O Mantiqueira deste domingo traz uma entrevista muito especial com Raul Togni Filho, ex-jogador de basquete, que começou na Caldense e teve passagens por importantes clubes do Brasil e da Europa, além da seleção brasileira. Ele conta como foi sua visão das Olimpíadas no Brasil e como foi ver o filho Raul Togni Neto, o Raulzinho, disputando os jogos do Rio. Pai coruja, ele diz o que pensa da carreira do filho. Fala ainda da falta de incentivo ao esporte no Brasil, do trabalho na Caldense e da potência e predomínio dos Estados Unidos no basquetebol.

Mantiqueira - Como foi viver a emoção de acompanhar uma Olimpíada em casa e, de quebra, ter um filho participando do evento?
Raul Togni Filho - Foi muito emocionante. Primeiro, que a expectativa era muito boa, mas acabou sendo muito melhor, enfim, os jogos foram maravilhosos. Claro que um ou outro problema é comum, como realmente teve, mas tudo foi muito bem resolvido. Aliado a isto, ver o Raulzinho defender a seleção brasileira de basquete dentro do Brasil, a torcida super empolgada e dando show, foi maravilhoso. Às vezes alguns torcedores de excediam um pouco e isto assustou os estrangeiros, mas o balanço geral é muito positivo.  Fiquei muito feliz com os jogos em geral, mas triste porque o basquete brasileiro poderia ter ido um pouco mais longe, mas, infelizmente, ficou pelo caminho.

Mantiqueira - O que faltou para o basquete ir mais longe nos jogos?
Raul Togni Filho - Muito difícil falar o que faltou, já que a competição de basquete é muito forte. São seleções de muita qualidade e o grupo do Brasil era um dos mais fortes, com Argentina, campeã olímpica, Espanha, campeã da Europa, Lituânia e Croácia, todos muito fortes. A Nigéria era teoricamente a equipe mais fraca do grupo, mesmo assim venceu a Argentina na fase preparatória. Então, é muito difícil analisar o que faltou para o Brasil. Talvez o dia não fosse o melhor e no esporte isto influencia. A decepção maior é saber que esta geração poderia ter ido mais longe e ficou pelo caminho. Muitos destes jogadores não estarão mais na seleção e espero que o trabalho de renovação seja bem feito.

Mantiqueira - Que jogo você destaca crucial para a eliminação brasileira?
Raul Togni Filho - Sem dúvida contra a Argentina, quando fomos melhores em quase todo o jogo, tivemos muitas chances de vencer e acabamos perdendo depois de duas prorrogações. Aquela partida mostra que o time brasileiro estava intranquilo nas bolas decisivas e os argentinos souberam muito bem como aproveitar isto. O Raulzinho reclamou bastante da arbitragem naquela partida, outros jogadores também, enfim, tudo contribuiu, mas é aquela coisa, faltou competência também e isto foi fator chave na nossa eliminação tão precoce.

Mantiqueira - Como foi a conversa com o Raulzinho depois dos jogos?
Raul Togni Filho - Naturalmente ele ficou muito triste e com isto evitamos falar muito sobre o assunto. Além de ser pai, sou treinador de basquete e um comentário meu num momento errado poderia machucar mais do que se eu não fosse da área esportiva e com conhecimentos técnicos sobre o assunto. O que percebi é uma grande tristeza dele e dos colegas de time, pois sabiam que poderiam ter ido mais longe. Mas o que tem que ficar de lição é que o trabalho foi bem feito e o resultado infelizmente não apareceu. Esporte tem destas coisas mesmo.

Mantiqueira - Você teve a chance de disputar uma Olimpíada e deixou exatamente para acompanhar o nascimento do Raulzinho. Como foi o ver ele ter a chance que você deixou lá atrás?
Raul Togni Filho - Em 1992 fui convocado para a seleção brasileira e iria treinar com o time. Naquele ano foi a primeira vez que uma seleção norte-americana iria para os jogos e isto era um fator muito especial, pois teria a chance de enfrentá-los. No entanto, na hora do embarque, acabei desistindo porque a Cláudia, minha esposa, estava grávida do Raulzinho e eu estava muito feliz com aquele momento. Estava próximo do nascimento e eu queria acompanhar tudo de perto e acabei abrindo mão da seleção. Agora parece que Papai do céu me iluminou, pois justamente este meu filho, que nasceu em 1992, veio a jogar basquete como eu, se tornou um grande jogador e disputou uma Olimpíada justamente aqui na nossa casa. É muito emocionante não só para mim, mas para toda a família.

Mantiqueira - Voltando a falar do basquete nas Olimpíadas, um dia você acredita que alguma equipe ou até mesmo o Brasil fará frente ao poderoso time dos Estados Unidos?
Raul Togni Filho - Muito difícil por diversos fatores. Eles têm o esporte como parte integrante da educação, então, qualquer escola municipal dos Estados Unidos tem pelo menos uma quadra esportiva de qualidade para seus alunos, que aprendem desde muito cedo a importância dos esportes, seja qual modalidade for. O menino tem que escolher algum esporte para praticar e com isto, devido à grande quantidade de praticantes, claro que aparecem talentos quase que o tempo todo. A realidade é muito diferente da nossa. Eles ainda usam muito a tecnologia para avaliar os jogadores. Analisar perfil, biótipo e assim direcionam o aluno para a modalidade certa. No basquete, por exemplo, o menino com cinco ou seis anos começa a praticar a modalidade e assim fica mais fácil o trabalho dos professores. Talvez, e eu acredito muito nisto, é que hoje os Estados Unidos estão dando muito espaço para os estrangeiros e isto pode ajudar um pouco. Os “branquinhos” da Europa não possuem a força física dos negros americanos, principais jogadores dos EUA, mas pode ser que compensem isto com a técnica e assim as seleções de fora possam ter uma chance, mas mesmo assim se os Estados Unidos levarem sua força máxima para os jogos fica muito difícil. Atualmente, se eles montarem três seleções vão brigar por ouro, prata e bronze, certamente. É muito difícil tirar este predomínio deles. Nos jogos do Rio, por exemplo, os principais jogadores americanos não foram e mesmo assim os Estados Unidos brincaram de jogar basquete e não teve adversário.

Mantiqueira - E como você vê o trabalho de base no Brasil?
Raul Togni Filho - Depois que vim para Poços de Caldas perdi um pouco do que vem acontecendo no cenário nacional, mas nunca foi dos melhores. Aqui a dificuldade é grande e o Brasil infelizmente não investe como deveria no nosso esporte. Não investe na educação, no aprimoramento da base e o pouco investimento que é feito visa equipes de ponta que dão retorno financeiro. Estamos muito longe do ideal e espero que a realização das Olimpíadas aqui mude esta mentalidade, que melhorem o apoio na nossa base porque daqui quatro anos muitos meninos que foram ver das arquibancadas os jogos podem ser nossos jogadores em Tóquio, mas para isto é preciso trabalhar mais sério neste sentido, caso contrário nada vai mudar. Além do investimento financeiro é preciso aperfeiçoar os profissionais, dar condições ao professor de buscar o conhecimento até mesmo fora do Brasil. Trazer gente de fora também pode ser uma boa solução. Temos casos de alguns esportes que estão investindo em profissionais de fora, como o handebol, ginástica, enfim, buscar apoio para melhorar nosso desempenho ajudaria. Lá fora eles têm uma visão diferente e qualquer ajuda é importante. Estamos ultrapassados e precisamos mudar este quadro.

Mantiqueira - Como anda o trabalho na Caldense e com os meninos de Poços de Caldas?
Raul Togni Filho - Busco fazer meu trabalho da melhor forma possível tentando passar o máximo de conhecimento que adquiri nestes muitos anos que tenho de basquete. A principal meta do trabalho é formar o cidadão e depois o atleta. O Júlio César Freitas, meu grande parceiro na Caldense, pensa da mesma forma, a educação sempre vai estar em primeiro lugar e usamos o esporte com este intuito. Claro que a gente gostaria que a estrutura fosse melhor no Brasil, e que pudéssemos formar mais atletas, mais jogadores, mas como isto não é possível a gente se contenta com pouco e se estes meninos que aqui estão não virarem jogadores de basquete, que sejam grandes cidadãos.

Mantiqueira - Sobre a carreira do Raulzinho. Você acompanha de perto, como está vendo ele na NBA, enfim, você está presente no momento dele?
Raul Togni Filho - Ver o Raulzinho jogando no principal campeonato de basquete do mundo, que é a NBA, é um sonho e sinceramente nunca imaginava que isto iria acontecer. Tudo aconteceu na vida dele por méritos próprios, muito sacrifício e dedicação. O Raulzinho sempre foi muito competente, muito focado, trabalhou muito duro a vida toda, tem o talento e a pré-disposição para jogador basquete e por isto tudo está acontecendo na sua vida. Ele teve um primeiro ano de NBA maravilhoso, pois a expectativa era de que nem jogasse e acabou jogando e foi muito bem. Fez coisas que acredito que até ele duvidava. Está colhendo os frutos do seu trabalho e agora vamos esperar o segundo ano. Acredito que vai ser mais difícil, o Utah Jazz reforçou o time para a temporada, contratou atletas para disputar posição com ele e por isto sabemos que ele vai ter que lutar muito para continuar jogando. A vida média de um jogador na NBA é de quatro anos e muitos não conseguem continuar depois deste período, por isto ele precisa continuar lutando, mostrando seu valor, que tem tudo para seguir na NBA. A competitividade é muito grande e novos talentos aparecem. Acompanho o Raulzinho em ação daqui mesmo, pela TV, internet e de vez enquanto, quando possível, vou ver de perto seus jogos. Vou sempre no final do ano, pois tenho outros filhos, inclusive um que mora na Nova Zelândia, por isto no final do ano é mais fácil reunir todo mundo.

Mantiqueira - Pai e filho com muito sucesso no basquete e a pergunta é inevitável: qual carreira te orgulha mais? A sua ou a do Raulzinho?
Raul Togni Filho - Todo pai quer ver seu filho melhor que ele próprio. O que quero é isto e o Raulzinho é melhor que eu em muitos aspectos. Fico muito feliz por todo o sucesso que ele está tendo e respondendo a pergunta me orgulho muito do que ele tem feito. Se eu pudesse abrir mão de todas as conquistas que tive na vida dentro do basquete sabendo que no futuro ele seria este jogador que se tornou eu faria tudo novamente. Acima de tudo a educação e o respeito que ele tem pela família são as coisas mais valiosas que tenho.
 Mantiqueira - Sua aposentadoria será em Poços de Caldas?
Raul Togni Filho - O melhor lugar é sempre onde a gente está. Para mim Poços de Caldas sempre foi este lugar, mesmo quando eu morava fora. Não tenho um plano de aposentadoria, tenho meus pais aqui, eles estão com certa idade, fazem questão do filho próximo. Não sei o que o futuro me reserva, mas minha vontade é ficar em Poços de Caldas.

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