sexta-feira, 22 de dezembro de 2017

Inglês “poços-caldense” revoluciona cricket no Brasil

O mais novo cidadão poços-caldense, reconhecido com um título recebido esta semana na Câmara Municipal, é responsável por um dos projetos mais vitoriosos da história de Poços
de Caldas. Matt Featherstone chegou à cidade em 2000 para ficar uma temporada de apenas seis meses. Não foi mais embora, pois ficou encantado com Poços e com uma jovem que se tornou sua esposa pouco mais tarde. Confira um pouco da história deste londrino que se tornou numa das pessoas mais importantes do esporte poços-caldense e do cricket brasileiro.

Mantiqueira - Quando começou sua ligação com o esporte?
Matt Featherstone - Nasci respirando o esporte. Meu pai foi jogador de rugby e vivi numa casa onde o esporte estava no DNA. Em Londres frequentei uma escola que tem fama internacional por dar apoio aos esportistas e ali joguei squash, cricket, futebol, e rugby. Meu pai queria que eu me dedicasse exclusivamente ao rugby, mas era o esporte que eu menos gostava. Amigos mais próximos queriam que eu me tornasse jogador de futebol, mas também não gostei da ideia. Nesta época fiquei dividido entre o cricket e o squash, jogando e representando a seleção inglesa nas categorias sub-15, sub-19 até me tornar um jogador profissional. Mesmo com certo sucesso nestes esportes eu me preocupei com minha educação e fazer faculdade era o objetivo principal. Se o esporte não desse certo teria que ter alternativas na minha vida. Consegui me formar em três faculdades, sendo bacharel em Educação Física, mestre em Psicologia no Esporte e por fim bacharel em Administração Esportiva. Não era um craque no jogo, um jogador mais ou menos como se diz no Brasil, mas me apeguei no estudo para correr atrás do resto quando fosse preciso.
 Mantiqueira - E como foi a troca de Londres por Poços de Caldas?
Matt Featherstone - Em 2000 me aposentei e decidi vir ao Brasil. Mas a decisão foi por causa do amor. Conheci minha esposa Aline Begalli Calil Featherstone, que estava estudando em Londres, e ela acabou me convencendo a vir a Poços de Caldas. Ela reclamava muito do frio londrino, não se acostumava com aquele clima completamente diferente do daqui. Eu disse a ela que faria uma experiência de seis meses e depois voltaria para casa, mas ela disse que quando eu conhecesse esta cidade e o Brasil nunca mais iria para outro lugar. Dito e feito e aqui estou até hoje. Casamos e foi a melhor escolha de minha vida. Adoro morar no Brasil, adoro morar em Poços de Caldas.

Mantiqueira - E como se deu a vinda do cricket? Você já tinha o pensamento quando chegou por aqui?
Matt Featherstone - De forma alguma. Como disse antes, queria passar uma temporada de seis meses e depois ir embora ou procurar novos rumos. A mudança aconteceu aos poucos.  Como minha esposa não queria voltar para Londres eu fui ficando e gostando cada vez mais e comecei a observar melhor Poços de Caldas. Acabei descobrindo que a cidade tinha muitos lugares precisando de ajuda e achei que poderia fazer alguma coisa. No Brasil, infelizmente, falta muito incentivo a vários setores e o esporte é um deles. Esta falta de apoio vem do governo, empresários, esportistas, enfim, de vários setores. Penso que se cada esportista entrega duas horas de suas vidas a projetos não é preciso tanto dinheiro para se conseguir fazer alguma coisa de bom para as pessoas mais necessitadas. Eu vi que poderia fazer algo e fui ao trabalho. Comecei a conhecer pessoas interessadas, uma delas foi o Alexandre Felipe e ele prontamente começou a me ajudar a implantar projetos de cricket na cidade. A Casa do Menor foi o primeiro projeto na cidade e se tornou um lugar muito especial para nós. Gostei muito do trabalho realizado por lá. Um trabalho sério, bem feito, mas que precisava de muita ajuda. Eu mesmo acho que ajudei muito pouco o trabalho deles. Queria ter dado um pouco mais. Enfim, começamos o trabalho lá com alguns meninos e meninas e, sinceramente, depois daquele início nunca imaginei que o cricket se tornaria o que se tornou em Poços de Caldas. Os resultados que conseguimos aqui nos mostraram que o cricket é um esporte que pode ser jogado muito bem no Brasil e em qualquer parte do mundo.

Mantiqueira - O que você acha que facilitou a implantação do cricket em Poços e no Brasil?
Matt Featherstone - Me surpreendi quando cheguei ao Brasil e vi que aqui se praticava um esporte chamado bete. A semelhança com o cricket é incrível e isto facilitou muito a implantação do cricket. As pessoas aqui nunca haviam jogado cricket, mas é fácil achar aquele que quando criança foi campeão de bete em sua rua, foi eleito o melhor jogador de bete de seu bairro, Eu já encontrei mil campeões da rua em bete.

Mantiqueira - Depois deste início, como você vê o cricket hoje em Poços e no Brasil?
Matt Featherstone - Vejo com muito orgulho. Temos equipes grandes em Poços de Caldas que jogam em termos profissionais, temos bons jogadores em Brasil, em São Paulo, enfim, o esporte só cresce e tenho certeza que em muito breve seremos uma das potências mundiais deste esporte. O cricket será tão conhecido no Brasil como o voleibol, futsal, entre outros, não tenho dúvidas de que vamos conquistar o Brasil. Poços de Caldas é fundamental neste sentido, já que é uma das cidades que mais tem praticantes no Brasil.

Mantiqueira - Como você lida com as diferenças financeiras e de apoio que o esporte recebe na sua Inglaterra e no Brasil?
Matt Featherstone - O investimento lá fora é antigo, há muito mais tempo eles acreditam no esporte e no Brasil e na América do Sul as coisas ainda engatinham. Aqui o menino precisa trabalhar para ajudar a família e com isto o esporte fica jogado a segundo plano. Na Europa, principalmente em minha cidade Londres, o pensamento é outro e por isto o investimento em todos os esporte é pesado. A questão é cultural e vejo que talvez num futuro possamos ter a mesma política. Lá fora eles sabem que o esporte tira a pessoa das drogas, de mau caminho, enquanto aqui não existe este pensamento e incentivo. Falta investimento.

Mantiqueira - Como é sua ligação com a seleção brasileira?
Matt Featherstone - Em 2000, quando cheguei ao Brasil conheci um clube em São Paulo onde havia ingleses que jogavam cricket.  Era o São Paulo Atletic Club. Fui até este clube, conheci todos os praticantes e comecei a jogar com eles. Era um grupo muito pequeno, mas vi que poderíamos aumentar o número de pessoas jogando o esporte no Brasil. Neste período o pessoal do International Cricket Council [ICC] entrou em contato comigo e pediu ajuda. Ficaram sabendo que eu estava no Brasil e me viram com uma peça importante para trazer o esporte definitivamente para cá. Topei o desafio sem receber nada, mas para ajudar o Brasil a fazer parte do mundial. Em 2006 conseguimos colocar o Brasil no Mundial do Cricket. Fomos correndo atrás, conseguimos um investimento do ICC. O trabalho começou a crescer, os recursos também e com isto o esporte cresceu muito no Brasil. Hoje temos uma boa ajuda do ICC e com este crescimento muitas pessoas abraçaram o cricket e o Brasil se fortaleceu. Depois que virei técnico da seleção brasileira procurei mudar um pouco a filosofia de trabalho. O time era 100% formado por estrangeiros e fui introduzindo jogadores brasileiros no grupo. Foi uma tarefa difícil, já que começou do zero, mas hoje temos muitos brasileiros no time. Claro que não tiramos todos os estrangeiros, mas o time é mais mesclado hoje com todos tendo seu espaço para representar bem o Brasil nas competições adultas. Nas categorias sub-13, sub-17 e sub-17 temos times formados apenas por brasileiros. A seleção feminina, que vem conseguindo nossos principais resultados, também conta apenas com jogadoras nascidas no Brasil.

Mantiqueira - E como você vê o reconhecimento do seu trabalho em Poços?
Matt Featherstone - Fico feliz, mas quando as coisas começam a funcionar é fácil as pessoas quererem fazer parte. Em Poços não foi diferente e conseguimos apoios importantes, como do ex-prefeito Eloísio, agora do prefeito Sérgio Azevedo, que vem dando um apoio muito importante. As empresas da cidade estão apoiando e hoje em Poços de Caldas não podemos reclamar de falta de apoio.

Mantiqueira - Como será o trabalho em 2018?
Matt Featherstone - Sempre o foco é crescer. Temos um limite de 3000 crianças por projetos, mas para conseguirmos este número precisamos de mais professores, por isto temos que esperar para atingir este número. Temos quatro alunos cursando faculdade e eles serão os futuros professores que estamos precisando para crescer os projetos na cidade. Queremos implantar em todas as cidades. Hoje temos 26 projetos e queremos este número aumentando para 40. Por enquanto o crescimento será menor.

Mantiqueira - E como é ser cidadão poços-caldense?
Matt Featherstone - Fiquei muito feliz com as palavras do prefeito Sérgio que foi na Câmara e destacou nossos projetos. Ele disse que ficou impressionado com a quantidade de pessoas que jogam cricket na cidade. O título de cidadão poços-caldense me deixou muito feliz, foi uma surpresa e agradeço muito ao vereador Lucas Arruda pela indicação, mas este título é de todos que acreditaram nos projetos de cricket na cidade. Ele vem no meu nome, mas é de todos que trabalham comigo, de você que vem divulgando desde o início nosso trabalho, dos alunos, professores, enfim, do nosso esporte. Uma pessoa não muda nada, mas a união de todos faz muita diferença. Quero finalizar agradecendo a todos os parceiros, como o ICC Mundial, Rotary, Departamento Municipal de Eletricidade, Caixa Econômica Federal, Hotel Minas Gerais e Associação Atlética Caldense, Prefeitura, Secretaria de Esportes. Sem estes parceiros o cricket não teria crescido tanto e nem tenho palavras para agradecer a todos.

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