domingo, 27 de novembro de 2016

“O jogador de futebol é o artista da bola”, diz o treinador Zezito

RENAN MUNIZ
Lama Verde

Poços de Caldas, MG - O treinador José Araújo da Silva, o Zezito, chegou à Caldense no final de 1998 para montar o elenco da equipe para a temporada de 1999. Começava ali uma trajetória de sucesso, que teve como auge o Campeonato Mineiro de 2002, conquistado pela Veterana, onde dirigiu a equipe até meados da competição e depois deu lugar a Walter Ferreira. No total foram seis passagens pelo Verdão: 1999, 2001, 2002, 2003, 2004 e 2006. Ele é considerado um dos melhores técnicos da história da equipe alviverde e já recebeu inclusive uma placa por ter sido um dos treinadores que mais comandou o time. Apesar de ter dirigido cerca de 40 clubes e morado em dezenas de cidades, gostou tanto de Poços de Caldas que trouxe sua família para morar na cidade, onde reside há mais de quinze anos.

Quais características um treinador precisa ter para ser considerado um bom profissional?
Tem muito apitador de treino por aí. Pra ser treinador, tem que se preparar muito, não é fácil. Eu tive o privilégio de ser jogador profissional de futebol, gerente de futebol e exerci várias outras funções no ramo. Quando decidi trabalhar como técnico, resolvi me aperfeiçoar para poder atuar na área. Fiz mais de dez cursos, inclusive o de arbitragem, para conhecer a fundo as regras do esporte. Nunca apitei um jogo, apenas quis buscar esse conhecimento. Pra ser treinador, tem que ser um psicólogo por natureza, saber lidar com as pessoas e motivá-las.

Como foi o processo de montagem do elenco da equipe campeã mineira de 2002?
Na época não havia grandes investimentos. Tivemos que fazer uma equipe barata e competitiva. Foi um time muito bem escolhido, que ficou marcado. Como treinador, costumo acompanhar vários campeonatos e ir selecionando os melhores jogadores por onde passo para saber quem escolher quando chegar a hora de contratar. A Caldense, por exemplo, nunca foi de fazer loucuras nos investimentos do departamento do futebol e sempre prezou por montar elencos bons e baratos, que encaixassem no orçamento. Por isso, fomos analisando as opções e conseguimos trazer Gilberto, Nilson, Paulista, Nelson, Adriano, Ramos, Clayton, Beto, Zezinho, Carioca e o garoto da cidade, o Gustavinho.

O que você costuma avaliar quando analisa um atleta?
O pessoal às vezes fala que eu tenho bom olho para indicar jogadores, mas acredito que você tem de saber analisar o atleta, valorizar suas características e extrair o máximo de potencial dele. O talento não tem lugar pra nascer. Quando escolho um jogador, não me importo com o quão renomado ele seja, onde nasceu, biótipo. O que importa é o desempenho dentro de campo.

Como é a sua preparação para os jogos e as suas preleções?
Trabalho muito com vídeos, slides. Preparo o espírito do jogador com palavras de motivação, para que ele possa entrar em campo pilhado. Sou um treinador muito chato, rigoroso. Trato os jogadores como filhos, mas às vezes tenho que dar uns puxões de orelha. Cada jogo é uma história. Sempre acompanho as partidas das outras equipes para saber anular os pontos fortes dos adversários e passar o máximo de informações possíveis ao grupo. Acredito que não se pode ir para uma guerra desprevenido.

Até que ponto uma torcida vibrante influencia o desempenho de um time?
O torcedor é o 12º jogador da equipe. Todo artista precisa de uma plateia e o jogador de futebol é o artista da bola. Quando se trabalha em uma equipe que não possui uma torcida vibrante e presente torna-se uma coisa sem sentido, é como um cantor que canta para um teatro vazio.

Os torcedores que ficam na arquibancada têm uma visão panorâmica do jogo. Em contrapartida, o treinador tem um ângulo de visão desfavorável. Já aconteceu de algum torcedor dar algum palpite e você concordar com ele e colocar em prática?
Todo mundo enxerga um pouco de futebol. O treinador trabalha diariamente com os jogadores e sabe os pontos fracos da equipe, os erros que podem acontecer. Mas de fato o nosso ângulo de visão durante o jogo é desfavorável. Às vezes acontece de alguém dar um grito na arquibancada e a gente começa a prestar atenção naquilo. Invariavelmente acabamos cedendo e fazendo as devidas mudanças táticas.

É muito comum durante um jogo o treinador fazer uma troca de jogadores e a torcida não concordar com a mudança. Como funciona o processo de decisão para se definir qual a melhor substituição a ser feita?
O técnico conhece os atletas e sabe o que cada um pode render. Quando chega o dia do jogo, traçamos um plano tático. Às vezes, por mais que um atleta se esforce, não consegue exercer o que lhe foi solicitado, até porque existe a equipe adversária no caminho. Por isso, precisamos fazer mudanças, nem que seja tirar um jogador que está fazendo volume no jogo. Pois se essa peça não estiver cumprindo a parte tática necessária, o grupo é prejudicado.

Cada equipe tem suas características e joga de maneira diferente. De que modo você adapta o seu time ao adversário para encontrar um ponto de equilíbrio entre defesa e ataque?
Um bom time começa por uma parte defensiva bem sólida. O grande exemplo disso talvez seja a própria campanha da Caldense no Mineiro de 2015. Era um time que fazia poucos gols, mas vencia os jogos, pois praticamente não sofria gols. Uma casa se começa pelo alicerce e não pelo telhado. Se você tem uma defesa que toma poucos gols, inevitavelmente você soma pontos, não importa o placar. Se não der pra ganhar, pelo menos você não perde.

O que mudou no futebol em termos táticos da época que você era jogador para os dias atuais?
Muita coisa mudou. Hoje existem diversos esquemas táticos, jogadores exercendo várias funções. Mudam-se as formas de jogar, mas os objetivos são sempre os mesmos. Há necessidade de jogadores de qualidade, com bons fundamentos, atletas que saibam se posicionar em campo e que tenham um bom preparo físico, que foi o que mais mudou. Hoje se corre muito, mas tecnicamente o nível caiu demais. Atualmente qualquer jogador mediano bem preparado fisicamente tem espaço nas equipes.

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