sábado, 4 de novembro de 2017

A “fórmula 1” era aqui...

Poços de Caldas, MG - Engana-se quem acha que apenas o Rio de Janeiro possuía um grande circuito de corridas automobilísticas no início dos anos de 1930. Também Poços de Caldas sediou as “corridas de baratinhas”, a partir de 1936, trazendo para a cidade grandes nomes nacionais e internacionais. Enquanto o Circuito da Gávea, no Rio de Janeiro, tinha ruas de terra e muitas subidas e atravessava linhas de trem, as vias largas e planas de Poços possibilitavam a realização de grandes corridas, organizadas de forma competitiva, num circuito urbano bem melhor.
Ainda exposta perto da Praça do Xadrez, a máquina de macadamizar – pavimentar com pedra britada, saibro e areia grossa e comprimir com um rolo – preparou as ruas de Poços para que se transformassem em pista de corrida oficial. A primeira corrida em nossa estância contou com o apoio direto do presidente Getúlio Vargas. Vale lembrar que o automobilismo daquela época não tinha grandes patrocínios como nos dias de hoje. Uns poucos pilotos corriam representando as fábricas de seus automóveis.

Prêmio Thermal - “Pela primeira vez na história do automobilismo nacional, correr-se-á uma grande prova automobilística em circuito de 4 kilometros, dentro do perímetro urbano de uma cidade. E Poços de Caldas, a nossa admirável estância, terá essa primazia de 22 a 29 de março p. futuro”. “Poços de Caldas é no momento o local para onde os meios automobilísticos nacionaes voltam suas attenções, aguardando anciosamente o momento de se ferir o grande torneio automobilístico “Prêmio Thermal”, em que intervirão os volantes de mais destaques do Paiz”. Assim a Semana Automobilística de 1936 foi descrita pelo semanário Revista Poços de Caldas, no seu número 298. Ainda segundo o periódico, o Grande Circuito de Mônaco chegava a ser inferior ao de nosso município, pois o Circuito Thermal prestava-se a toda classe de carros, posto que as nossas avenidas asfaltadas alcançavam 2.000 metros, sendo 1.550 metros de calçamento perfeito e somente 250 metros de terra batida, trecho este nas ruas Rio Grande do Sul e Pará. O prêmio de vinte contos de réis era dividido entre o primeiro lugar, que recebia 5 contos, e o demais corredores, que partilhavam entre si os restantes 15 contos.

Pilotos - Segundo o historiador Roberto Tereziano, a festa das baratinhas e charutinhos trazia para nossa cidade o maior de todos, o brasileiro Chico Landi, o famoso Carlos Pintacuda, o nobre barão de Teffé, o argentino Manuel Fangio, Nascimento, Fritz D’Orey, Tortuga e outros tantos pilotos não menos famosos, mas ainda não identificáveis nas poucas fotos e uma rara película cinematográfica recuperada, que registram muitos eventos no circuito de Poços.
Ainda segundo a Revista de Poços de Caldas, na primeira corrida, em 29 de março de 1936, estavam na cidade, entre outros, os pilotos Manoel de Teffé, Cícero Marques Porto, Francisco Landi, Djalma de Campos, Benedicto Lopes, Hugo Teixeira de Souza, Domingos Lopes, Vicente Hugo, irmãos Ferrão, Norberto Jung, Olintho Pereira e os corredores mineiros Quirino Landi e Alfredo Gatti.

Primeira vez - Poços tinha tudo preparado para aquela tarde ensolarada de domingo de 1936. A semana anterior, muito movimentada, contou com “gymkanas”, treinos, provas de arrancada, provas de numeração dos concorrentes. Finalmente, naquele dia 29, às 13h30, o público da cidade e da região, tal como quando viera o primeiro avião para a cidade, prestigiava o evento com grande presença. Ford, Hudson, Prefets, seguidos dos Austins, Fuscas e Citroens competiam nas curvas mais acentuadas, como o “S” que interligava a rua Junqueiras com a Prefeito Chagas. Por fim, as tão esperadas baratinhas Lótus, Fiat, Alfa Romeo, Macerati e tantas outras marcas.
Tereziano lembra que muitos dos carros que participavam, desta primeira e de outras corridas, eram também veículos esportivos de pessoas da cidade que faziam a alegria do público por suas formas exóticas ou porque os pilotos venciam as provas no braço. Por exemplo, o médico Martinho Mourão, autor do mais importante livro de história da cidade, se transformava em piloto nas corridas de Poços. E, segundo os comentários, “não tinha pra ele”.
Para aquela primeira semana automobilística foram disponibilizados oito telefones ao longo da pista, policiamento de 50 homens e 30 motociclistas, uma ambulância com cinco médicos e três enfermeiros. A Rádio Cultura - PRH5 - pioneira na transmissão do Prêmio Thermal, esteve presente em todas as outras corridas.

Trajeto - O traçado para a prova principal de 1936 obedecia ao trajeto: partida na rua Rio Grande do Sul, esquina da avenida Francisco Salles (lado direito) seguindo até rua Amazonas, dali passando para a rua da Estação (perto da Urca), rua Junqueiras, rua Paraná (atual rua Assis), rua 15 de novembro, rua Rio Grande do Sul, descendo a rua Paraná, fechando o circuito na avenida Francisco Salles, defronte ao Grande Hotel. No trajeto havia 450 sacos de areia, fardos de alfafa, cordas e arames, que serviriam de barragens protetoras em caso de acidentes.
Segundo Tereziano, quando os carros tinham algum problema e precisavam de assistência mecânica, paravam nos boxes que funcionavam no antigo Posto Rex. Depois da manutenção, seguiam pela rua Junqueiras até o atual Complexo Aquático e retornavam ao circuito.

Mônaco Brasileira - Durante muitos anos Poços ainda sediou as corridas automobilísticas, sendo considerada a “Mônaco Brasileira”. Não se tem registro preciso de quantas provas aconteceram, mas a última delas foi realizada em 1959, organizada por José L. Junqueira, o Zé Pelota. Quase cinquenta anos depois, Minas ainda não tem um espaço para realizar um circuito de corridas. Poços merece ter seu lugar na história do automobilismo, pois foi pioneira do glamour e do amor à velocidade.

Delma Maiochi
redacao@mantiqueira.inf.br

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