sábado, 31 de dezembro de 2016

André Luiz: “No rádio, um lance simples pode ficar muito emocionante”

RENAN MUNIZ


Poços de Caldas, MG - André Luiz é o dono da famosa voz que leva a emoção dos jogos da Caldense aos torcedores do clube. Nascido em Mogi-Mirim, começou no rádio em 1980, de maneira despretensiosa. A equipe local havia desativado o departamento de futebol em 1972 e com isso a rádio da cidade não tinha mais jogos para transmitir. O período de inatividade foi encerrado justamente em 1980 e André foi convidado para assumir a locução da rádio, que também voltava a fazer transmissões. Começava ali a longa carreira de um dos mais renomados narradores esportivos do interior do Brasil.

Como foi sua chegada a Poços de Caldas?
Trabalhei na Bandeirantes, na CBN e em outras grandes emissoras. Na época éramos três locutores e nos revezámos nas transmissões. Em um determinado final de semana, eu estava de folga e resolvi vir a Poços para fazer um freelance por intermédio do Ailton Fonseca. Gostei da cidade e resolvi me mudar em 1995, foi uma questão de opção. Mas o primeiro jogo que narrei da Caldense foi em 1993, na abertura do Mineiro contra o Trespontano, em Três Pontas, onde a veterana venceu por 1 a 0 com gol de Fogueirinha.

Como é sua preparação para os jogos?
Quando chego ao estádio, aos poucos vou entrando no clima da jornada esportiva. Confesso que até eu ser acionado para falar pela primeira vez, fico com um friozinho na barriga, mas a partir do momento que solto a voz, a coisa flui com naturalidade e me transformo quase que em um personagem.

Quais cuidados você toma para aguentar falar durante toda a jornada sem ter falhas na voz?
Eu fiz fonoaudiologia por algum tempo e aprendi a preparar a corda vocal para não ter incômodos e poder colocar a voz de maneira confortável durante toda a transmissão. No dia do jogo não tomo nada gelado, pra poder trabalhar sem qualquer tipo de problema, porque quem depende da voz, se tiver um calo, por exemplo, às vezes tem até que encerrar a carreira.

Quais são as maiores dificuldades que você enfrenta durante uma partida?
Depende muito da localização da cabine no estádio. Às vezes não se tem um ângulo de visão panorâmico. Eu costumo transmitir o jogo sentado. Por vezes, a torcida levanta e tenho que me levantar também, para ver o que está acontecendo. O narrador simplesmente relata o que está acontecendo na partida, para quem está ouvindo saber aonde está a bola, quem está com a bola e como o jogo se desenvolve. Devemos passar toda a realidade dos fatos para os ouvintes, sem distorções.

Por que a narração de rádio é mais emocionante do que a da TV?
Porque ela mexe com a imaginação do ouvinte, diferentemente da TV. Na TV você vê tudo e a narração é só um complemento. No rádio a narração é tudo. Dependendo da entonação, um lance simples pode ficar muito emocionante, em determinados momentos existe um suspense para saber o que vai acontecer, pois o ouvinte não está vendo e o locutor cria certa expectativa. Não se pode parar de falar, é diferente da televisão. Na TV eles podem parar a imagem, colocar publicidade, pois você continua vendo a imagem e sabe o que está acontecendo. No rádio não, se o narrador para de falar fica um buraco no ar e ninguém sabe o que está acontecendo e o ouvinte vai achar que a estação saiu do ar.

O trabalho do narrador é muito importante, pois é um documento de como foi a partida. Principalmente nos jogos que não foram filmados, tudo fica registrado na sua voz. O que representa para você produzir esse tipo de material?
Se eu te disser você não vai acreditar. Eu não tenho uma fita, um CD, não tem um material meu. Nunca me preocupei com isso, vejo com tamanha naturalidade, talvez diferentemente de outros companheiros de imprensa. Se você me pedir a gravação de um jogo, eu não tenho. Transmito o jogo, vou embora pra casa, ouço outras rádios, mas não tenho o costume de arquivar material. Se existir alguma coisa minha registrada, é só nas emissoras onde trabalhei.

Quais foram os momentos mais emocionantes que você já narrou da Caldense?
Além do título de 2002, me lembro de um jogo em Patos de Minas onde a Caldense precisava ganhar do Mamoré e saiu perdendo por 1 a 0. Virou para 2 a 1 e o segundo gol, que foi do Vagninho, saiu aos 46 do segundo tempo. Se a Veterana empatasse estaria eliminada da competição, mas ele, praticamente do meio campo, por cobertura, encobriu o goleiro e deu a classificação para a Veterana. Recordo também da partida contra a URT em 2002, um jogo muito difícil, arbitragem polêmica, estava 1 a 1 e a Caldense precisava vencer pra não depender do resultado do Ipatinga. Nos acréscimos, o Gilberto bateu um tiro de meta e a bola sobrou para o Joílson, que driblou o goleiro, chutou e a bola caprichosamente bateu na trave e entrou, foi muito emocionante.

Ao longo da sua carreira, qual transmissão foi marcante para você?
Tive a oportunidade de transmitir a final da Copa União entre Flamengo e Internacional no Maracanã com 127 mil pagantes. Fiquei no meio da torcida, pois não havia cabine para todo mundo. Choveu e parte dos torcedores que estavam na parte descoberta da arquibancada, subiu para a parte coberta. A nossa equipe ficou toda espremida, mas mesmo assim conseguimos fazer a transmissão.

Você é um profissional que sempre fala o que pensa. Em algum momento tem receio de dizer algo e incomodar alguém?
Nunca tive, sou muito contestador e às vezes acho até que exagero. Acabo falando o que penso e tenho um compromisso muito grande com a minha consciência, não tenho medo de errar, se erro, sou humilde de reconhecer e corrigir, mas não me preocupo em agradar ou desagradar quem quer que seja. Eu falo o que sinto e o que penso.

O que precisa ser mudado no Ronaldão para a imprensa ter melhores condições de trabalho?
Tudo. O Ronaldo Junqueira é um estádio totalmente ultrapassado, não é só pra imprensa não, é pra torcida também. Estacionamento, banheiro, tudo precisa ser refeito. Quando foi construído, era um estádio moderno, mas hoje já estamos na época das arenas. No meu modo de entender o estádio municipal é um patrimônio da cidade, um ponto turístico. Quem gosta de futebol e viaja para outras cidades, quer conhecer o estádio local e hoje não se tem motivo para alguém querer visitar o Ronaldão. Pra falar a verdade, acho o estádio deveria ser jogado no chão e no lugar construir outro.

O que a Caldense significa pra você?
A Caldense hoje é tudo. Quando a Caldense vai bem, beneficia o trabalho de todos da imprensa e quando vai mal a gente também vai mal. Quando a gente critica, é com dor no coração, mas a gente fala para que as coisas possam mudar para melhor. Não fazemos criticas destrutivas e nem pessoais. Queremos ver a Caldense no topo como outras equipes que sempre estão surgindo no cenário do futebol brasileiro.

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