Poços de Caldas, MG - O poços-caldense Sandro Meira Ricci foi escolhido para ser o representante brasileiro na Copa das Confederações e Copa do Mundo de 2014.
Ricci trabalha atualmente para a federação pernambucana e está entre os 52 árbitros pré-selecionados pela Fifa. Como é praxe ter um representante do país-sede, Ricci só ficará fora por lesão ou se apresentar problemas físicos até o Mundial do ano que vem. Na Copa das Confederações são usados cerca de dez árbitros, enquanto na Copa do Mundo entre 25 e 30. Ricci já trabalhou no DF e processou o atacante Neymar depois de o santista ter feito insinuações em uma rede social de que o árbitro teria prejudicado o Santos em uma partida, em agosto de 2010. Neymar foi condenado pela Justiça a pagar R$ 15 mil.
Em 2010 o Mantiqueira entrevistou Ricci. Confira partes da entrevista.
Mantiqueira - Até quando você viveu em Poços de Caldas?
Sandro Meira Ricci – “Sou nascido em Poços de Caldas mas com apenas dois anos de idade fui para Brasília. Meu pai, funcionário do Banco do Brasil na época, foi transferido para a capital federal. Passei infância e adolescência lá, porém, todos os feriados e férias escolares eu vinha a Poços. Eu frequentava o clube da Caldense. Joguei amadoramente futebol em Milão, na Itália, morei naquele país durante três anos. Ao retornar ao Brasil eu treinei no Brasília, uma equipe do Distrito Federal, mas percebi que a pressão era grande e eu não aguentaria e resolvi desistir de vez da ideia de ser um jogador de futebol”.
Mantiqueira – Como surgiu a vontade de ser um juiz de futebol?
Sandro Ricci – “Em 1994 eu estava acompanhando a Copa do Mundo e ao assistir à final coloquei na cabeça que queria participar de eventos importantes como aquele. Comecei a trabalhar a ideia de ser um árbitro. Conclui a faculdade de Economia e em 2003 consegui fazer o curso de árbitro, já aos 30 anos de idade. Em 2004 coloquei o primeiro apito na boca e comecei a atuar em jogos de futebol. Já naquele ano fiz finais de categorias de base em Brasília. Minha estreia no futebol profissional foi em 2005. Em 2006 passei a integrar o quadro de árbitros da CBF (Confederação Brasileira de Futebol).
Mantiqueira – Como foram os primeiros trabalhos como árbitro da CBF?
Sandro Ricci – Infelizmente logo no primeiro ano enfrentei alguns percalços. Num jogo da Série C do Brasileiro tive uma atuação muito infeliz e acabei afastado por um ano. Só era convocado para ser reserva, atuar como quarto árbitro e não tive chance nenhuma para apitar jogos. Graças ao apoio que recebi do Jorge Paulo no final do ano de 2007, que acreditou no meu potencial e praticamente me recolocou no caminho da arbitragem, voltei a fazer jogos importantes e na época apitei a partida entre Remo e São Caetano pela Série B do Brasileiro. Essa partida decretou o rebaixamento do Remo para a Série C. Tive uma boa atuação e já no ano seguinte comecei a trabalhar em grandes campeonatos. Fiz jogos da Copa do Brasil, que é uma espécie de torneio experimental para todo juiz de futebol, fiz muitos jogos da série B e cinco jogos da Série A em 2008. Consegui construir um nome junto à Comissão de Arbitragem da CBF. Em 2008 eu fui o árbitro que mais atuou no futebol brasileiro incluindo as vezes em que fui juiz principal e quarto árbitro.
Mantiqueira – Como é lidar com a pressão de grandes jogos?
Sandro Ricci – A preparação da arbitragem hoje é fechada em quatro pilares: o técnico, que é a condição do árbitro para apitar uma partida, o físico, que mostra se ele tem condições de fazer uma partida, o mental, que avalia se ele tem condições de suportar as pressões de um jogo de futebol, incluindo torcida, imprensa e dirigentes, e, finalizando, o social, que avalia o árbitro fora dos campos de futebol, sua formação acadêmica, intelectual, a vida social regrada, pois acabamos nos tornando um bem público. O árbitro não pode trabalhar esses pilares de maneira separada. É preciso trabalhar bem o lado psicológico para reagir bem a todo o tipo de pressão. No começo de carreira você fica impressionado com as pressões mas depois acaba se acostumando devido à experiência que se adquire. O que não pode é o árbitro deixar se levar por essas pressões, normais dentro do futebol.”
Mantiqueira - “Como você concilia sua preparação para os jogos com as atividades profissionais?
Sandro Ricci – “Praticamente em todos os momentos em que não estou trabalhando ou não tenho compromissos familiares, estou treinando pra estar bem durante as partidas dos campeonatos. Eu mesmo tenho minha academia, meu preparador físico, ou seja, uma estrutura. Tenho condições de ter um plano de saúde. Minha rotina semanal é composta de treinos diários em academias ou pista de atletismo, simulação de partidas. Procuro me preparar o melhor possível para suportar bem uma partida de futebol profissional”.
Mantiqueira – Qual a diferença de um jogo entre grandes equipes e um entre times pequenos para um juiz de futebol?
Sandro Ricci – Para o juiz todos os jogos têm que ter o mesmo peso, não existe camisa em jogo. Se não for assim ele não vai conseguir ter sucesso. A única vez que tive insucesso na arbitragem durante uma partida da Série C foi porque não dei a relevância que aquele jogo deveria ter tido. Lógico que a repercussão de um Fla-Flu, de um Corinthians e Palmeiras é muito maior que a de uma partida que reúne equipes menores do nosso futebol, mas o juiz sério tem que encarar todos os jogos como uma decisão e procurar fazer o trabalho da melhor forma possível, caso contrário ele não vai longe na profissão. Como eu já disse anteriormente, todos os jogos são avaliados por uma comissão da CBF. Encaramos nossa função de forma profissional e assim conseguimos ver todos os jogos de maneira igual, independentemente das divisões para as quais essas partidas são válidas”.
Mantiqueira – Qual o jogador mais complicado: aquele famoso ou aquele que está buscando o seu espaço?
Sandro Ricci – Na verdade não é difícil lidar com nenhum deles. O que acho realmente mais difícil é você não ter direito de resposta. Somos analisados por um lance, criticados, às vezes de uma forma injusta. A pressão da torcida, do dirigente ou do jogador a gente está preparado, não vejo nenhuma de forma negativa. O árbitro tem que estar preparado para isso ou automaticamente não tem condições de atuar numa partida de futebol. A pressão é nivelada, cada um tem seu papel. Para mim a pior pressão é a da imprensa devido a críticas que fazem sem te dar uma chance de se defender. A Fifa também não nos permite falar sobre a parte técnica e chega a ser desumano você ser criticado por um lance e não ter ninguém para analisar seu erro de forma positiva, tentando descobrir o porquê do erro. Geralmente só focam numa crítica que não é nada construtiva. Por essas razões, acho que a pressão da imprensa é a pior para um juiz de futebol”.
Mantiqueira – Você acha que em casos em que um juiz influi diretamente num resultado de um jogo ele deveria ser repetido?
Sandro Ricci – “Esses julgamentos são feitos pelo Superior Tribunal de Justiça Desportiva. É importante esclarecer que existe o erro de direito e o erro de fato. O erro de fato é o erro de interpretação, é o erro do ser humano que olha o lance e enxerga outra coisa do que a imagem mostra. O erro de direito mostra um desconhecimento de regra. Vamos supor que um time joga com 12 jogadores, ganha o jogo e isso é validado pelo juiz. Neste caso caberia a anulação da partida. Todos se preocupam com o erro do árbitro e acho que a preocupação teria que ser em investimento na arbitragem para evitar que fatos assim ocorram.”
Mantiqueira – Existe alguma possibilidade de você fazer parte do quadro da Federação Mineira de Futebol?
Sandro Ricci – “Isso dependeria de um convite. A Federação Mineira hoje é muito bem servida de árbitros, grandes nomes do Brasil estão na FMF, tive oportunidade de trabalhar com alguns e acho que a FMF não precisa de mim.
Mantiqueira – Quais familiares você ainda possui em Poços de Caldas?
Sandro Ricci – Todos os irmãos de minha mãe e de meu pai são de Poços de Caldas. Em Brasília estão meus pais, eu, minha esposa Gabriela e meus filhos, os demais moram aqui. Então minha ligação com Poços de Caldas é forte pois meus parentes todos estão aqui”.
Mantiqueira – Qual sua equipe de coração?
Sandro Ricci – Claro que todo árbitro já teve sua equipe de coração quando não atuava em competições. Eu não sou uma exceção, já fui fanático, tive minha equipe mas hoje sou um torcedor da seleção brasileira. Infelizmente a população não separa o árbitro. Então, hoje, de coração, me declaro torcedor apaixonado, além da seleção, da Caldense e do Poços de Caldas.
Mantiqueira – Você pensa em um dia voltar a morar em Poços de Caldas?
Sandro Ricci – Como um apaixonado por essa cidade eu pretendo sim um dia voltar a morar aqui. Nessa minha passagem fiz contatos importantes com muitas pessoas, com a imprensa da cidade, enfim, a sociedade futebolística de Poços me recebeu muito bem. Meu sonho é que ao encerrar minha carreira, espero que somente aos 45 anos, como árbitro internacional.
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