terça-feira, 10 de janeiro de 2017

Complexo aquático pode ser interditado após morte de criança

Por
ADRIANA RODRIGUES e PAULO VITOR DE CAMPOS

Poços de Caldas, MG – A morte de uma criança de 5 anos trouxe à tona o descaso, a falta de segurança e de comprometimento de várias administrações com a população da zona sul da cidade. O menino Murillo Henrique de Oliveira se afogou, domingo (8), na piscina do Complexo Aquático Maria Cristina Bianchi Junqueira, do Conjunto Habitacional, e para quem trabalha no local essa era uma tragédia anunciada. Diante do acontecido o prefeito Sérgio Azevedo disse que o complexo pode ser interditado.

Durante todo o dia de domingo as piscinas estiveram lotadas. Um único salva-vidas que trabalhava no local não percebeu quando o menino entrou na água esverdeada da piscina de adultos, que tem na parte mais funda 1,70 m de profundidade, e submergiu. Uma das pessoas que estavam dentro d’água pisou em algo e percebendo que se tratava de uma criança deu o alerta sobre o afogamento.

O menino foi retirado da piscina e, por cerca de 15 minutos, recebeu manobras de ressuscitação feitas pelo salva-vidas Cristiano Aparecido Domingues. Várias pessoas disseram ter ligado para o Samu, mas, como o socorro não chegava, os próprios frequentadores do complexo encaminharam o menino para o hospital Margarita Moralles.

A equipe médica que recebeu Murillo deu continuidade às tentativas de ressuscitação, só que já era tarde para salvá-lo.

Segundo informações colhidas no local, o menino foi ao complexo acompanhado da mãe e de outros familiares mas estava sozinho quando entrou na água.

O corpo da criança foi encaminhado para o Instituto Médico Legal (IML) e após liberado foi velado e sepultado ontem, no cemitério Parque. De acordo com o declarado no atestado de óbito pelo médico legista Uanderson Resende, a morte se deu em decorrência de afogamento.

Ontem, a reportagem ouviu o delegado Hernanni Perez, da 1ª Delegacia Regional de Polícia Civil, onde já foi aberto inquérito para apurar o caso. Ele explicou que em circunstância de morte violenta, como é o caso do afogamento, a polícia instaura inquérito para apurar eventuais responsabilidades criminais. Perez disse que algumas pessoas serão ouvidas e que o laudo de necropsia, emitido pelo IML, auxiliará na apuração do caso.


Testemunhas mesclam indignação e tristeza diante da morte do menino

O jornalista e diagramador Paulo Vitor de Campos estava no complexo quando o menino se afogou. Ele foi uma das pessoas que ligou para o Samu pedindo socorro e acompanhou o desespero de quem via a cena sem poder fazer nada para salvar a criança.

“O que me assusta com esta tragédia do pequeno Murillo é a falta de respeito com a vida do ser humano, principalmente das pessoas com menos poder aquisitivo. A situação que presenciei no complexo aquático do Conjunto Habitacional é tão ruim que para acreditar nas condições que o local se encontra é só vendo mesmo. Domingo havia muita gente, muitas crianças, uma água esverdeada e de aparência horrível na piscina, mesmo assim estava lotada de banhistas”, contou.

Para Campos, a morte da criança precisa ser vista pelas autoridades como um alerta sobre o descaso com a vida e segurança dos banhistas. “O menino como única vítima pode ser considerado um milagre. O local deveria estar interditado pois a população daquela comunidade merece coisa muito melhor”.

O jornalista falou ainda sobre a atuação dos funcionários e a demora da chegada do Samu. “Havia apenas dois funcionários para cuidar daquela gente. É pouco. O salva-vidas agiu corretamente no meu ponto de vista, tentou salvar o garoto o tempo todo, não desistiu em momento algum. Mas acredito que a criança já tenha deixado a água sem vida. Já a demora do socorro acho natural pela distância do centro da cidade até a zona sul. Na minha opinião deveria existir uma base do Samu naquela região. Em casos assim todos sabemos que a demora pelo socorro pode ser fatal”.

Já a professora Maria Teresa Lima, que também estava na piscina e acompanhou a tentativa de salvamento da criança, disse que nunca irá esquecer o que viu naquele dia. “Poderia ter acontecido com qualquer criança ou mesmo com um adulto. Aquilo estava lotado. Em meio a tanta gente duvido que o salva-vidas ia dar conta de cuidar de todos. Uma pessoa que escorregasse dentro da piscina ia parar no fundo sem que ninguém notasse. A água estava suja, turva. Tudo ali é uma nojeira, mas é o que temos de lazer num dia de sol. A gente se revolta, reclama, mas nada muda. É um absurdo”.

Salva-vidas diz não ter visto o momento do afogamento

Depois de receber a notícia da morte de Murillo, o salva-vidas Cristiano Aparecido Domingues conversou com a reportagem. Ele contou que tudo aconteceu muito rápido e que em meio a tanta gente não viu quando o menino entrou na piscina e nem o momento em que ele submergiu. “Na hora não percebi o garoto no fundo da piscina e quando fui chamado deparei com ele já desfalecido. Iniciei os procedimentos de socorro imediatamente. Fiz tudo que poderia ser feito, infelizmente, ele não reagiu e tivemos que correr com ele para o hospital”, contou Domingues, relatando ser essa a primeira vítima que ele não consegue salvar em anos de trabalho.

“Na minha profissão estou acostumado com este tipo de situação e sempre consegui ressuscitar as vítimas, sejam crianças ou adultos. Neste caso infelizmente não conseguimos, até porque o menino já estava há algum tempo no fundo da piscina e quando comecei os procedimentos ele tinha os sinais vitais muito fracos ou até mesmo já estava sem nenhuma chance de sobreviver. Lamento, me sinto solidário aos familiares e nunca mais vou esquecer este dia”, disse.

Administradora do complexo diz que piscinas estão sem manutenção adequada há anos

Desde que foi inaugurado no início dos anos 90, o Complexo Aquático Maria Cristina Bianchi Junqueira nunca passou por uma intervenção de verdade. O local foi se deteriorando com o passar dos anos e chegou no lamentável estado em que se encontra.

A administradora do local Solange Henrique Rafael disse à reportagem que lamenta o que aconteceu domingo e que vem trabalhando em condições precárias há tempos. Segundo ela, a piscina não tem filtro há cinco anos. “O filtro da piscina parou de funcionar no terceiro ano de administração do Paulinho Couro Minas. Já faz cinco anos que estamos sem ele. Falta tudo aqui. Não temos cloro, não temos estrutura nenhuma, os vestiários estão sem condições de uso com teto escorado por madeiras”, disse Solange. “São dois funcionários para cuidar de muita gente que frenquenta as piscinas. É pouco, pois o movimento é grande”, relatou.

Segundo a administradora, o local não tem segurança. “Depois que fechamos as portas e vamos embora muita gente invade pelo muro. Já tive relatos que quando a piscina está fechada o movimento é ainda maior do que quando está aberta”, conta. “Eles [população] invadem mesmo, não fazem questão alguma de se esconderem e é por Deus que outras pessoas não morreram aqui. Se com salva-vidas aconteceu uma tragédia destas, imagine sem”, finalizou Solange.

Interdição do complexo pode acontecer ainda essa semana, segundo prefeito

Ontem, o prefeito Sérgio Azevedo esteve no Complexo Aquático Maria Cristina Bianchi Junqueira, acompanhado dos secretários de Esportes Wellington Guimarães, o Paulista, do de Obras Luís Fernando de Mattos Cortezano e do engenheiro Paulo Milton.

Antes de visitar o local ele tinha falado com a reportagem e dito que a informação que chegou até ele é que o local estava em situação muito ruim. “Me relataram que o local está em situação de quase abandono, principalmente em relação aos vestiários e que não há cloro para as piscinas. Por esta razão estou indo até lá acompanhado dos secretários de Obras e Esporte para que tomemos uma decisão. Acho que manter um complexo funcionando, sem ter as condições mínimas de uso e segurança para a população, não dá. Nesse caso, se constatarmos essa situação iremos interditar o local para que possamos proceder as reformas necessárias e depois sim liberarmos o complexo para a população, em boas condições”.

Horas depois, já no complexo, o prefeito se disse estarrecido com o que viu. “Sabia que estava ruim, me disseram que estava muito ruim, mas chegando aqui vi que está muito pior. Este local não tem condições de estar funcionando”, falou Azevedo. “Está tudo muito danificado, vestiários, a parte externa, piscina, enfim, nada se aproveita. Pedi à Secretaria de Obras uma vistoria mais detalhada e esta vistoria será realizada amanhã [hoje] cedo. Vamos ver o que dever ser feito”. Com base no que for apresentado, o prefeito definirá os próximos passos a serem adotados. “Vamos ver se caminhamos para uma interdição ou se faremos uma obra emergencial para a coisa funcionar. Pelo que estou vendo o caminho é mais sério, mais grave, e a comunidade merece uma coisa melhor. Tudo aqui está muito ruim. Precisamos cuidar melhor disto e oferecer para o cidadão um complexo em melhores condições”, disse Azevedo, já sinalizando por uma possível interdição. “A morte do menino domingo foi uma grande fatalidade. Isto pode se repetir em outras situações. A piscina não está bem tratada, não tem nem filtro e a situação é inimaginável”, declarou. Ainda de acordo com Azevedo, caso seja decidido pela interdição do local, as obras de recuperação deverão demorar algum tempo para serem executadas e concluídas, uma vez que a situação financeira da prefeitura é delicada.

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