domingo, 15 de janeiro de 2017

Entrevista com o radialista Ailton Fonseca

Poços de Caldas, MG - Ailton Fonseca é daqueles profissionais com muita história no jornalismo esportivo. Completando 36 anos de profissão, ele faz parte da equipe da Rádio Mantiqueira de Poços de Caldas e fala um pouco de suas andanças pelo Brasil por conta do futebol. Nesta entrevista, ele relembra jogos importantes, o amor pelo rádio, fala do futebol local e de companheiros inesquecíveis.


O início

“Passei pelas três etapas do rádio esportivo. Fui narrador, repórter e comentarista. Eu escrevia para jornais em São João da Boa Vista mas não havia tido nenhum contato com o rádio esportivo. Eu tinha como sócio o jornalista Chico Artem, hoje professor e reitor dá Unifae, em São João da Boa Vista. Tínhamos um jornal chamado Opção e já naquela época a gente cobria os jogos, fotografávamos e éramos bem atuantes. Fui cobrir uma partida de futebol em Itapetininga-SP e o comentarista da rádio Difusora não pode ir. O Luiz Roberto, hoje na TV Globo, viu meu trabalho e me convidou para ser comentarista. Eu deixei claro que não tinha experiência em rádio mas ele me incentivou a abraçar esse veículo de comunicação pois viu potencial em meu trabalho. Naquele jogo, além da cobertura para o meu jornal, eu comentei a partida para a emissora. No dia seguinte fui convidado pelo diretor de jornalismo da emissora, Wanderley Fleming, para outras jornadas. Acertamos um cachê e minha segunda participação no rádio esportivo já foi remunerada. O Palmeiras de São João disputava a segundona em São Paulo e subiu para a divisão intermediária, ficando a um passo da primeira divisão paulista. Isso foi um passo importante e marcou o meu começo de forma positiva. De lá pra cá vivi muito mais em função do rádio do que propriamente de jornal. Antes de vir para Poços de Caldas tive passagens por emissoras de rádio em várias cidades. Uma das fase mais marcantes de minha carreira foi em Mogi Mirim. Naquele tempo o time do Mogi era forte e tinha o Vadão como treinador. A equipe tinha nomes de destaque no futebol, como o Leto, Válber e Rivaldo, e era um time de respeito. Fiquei dois anos em Mogi Mirim, que foram muito positivos na minha jornada como repórter esportivo”.

Poços de Caldas

“A primeira emissora em que trabalhei em Poços de Caldas foi justamente a Rádio Cultura, no final de 1992. Cobri o final do campeonato mineiro daquele ano e a Caldense já estava eliminada. A fase final reunia Cruzeiro, Atlético, América e Rio Branco de Andradas. Eu, juntamente com a equipe da Cultura, fiz as finais do Estadual. Depois disso cobri mais umas seis ou sete temporadas do futebol pela Cultura e me transferi para a Rádio Difusora. Naquela época a Difusora apresentou um projeto novo e eu, juntamente como Paulo Roberto, fui para lá e conseguimos trazer o narrador Hugo Botelho. Foram mais oito ou nove anos de muito trabalho e jornadas esportivas por quase todos os cantos do Brasil. “Em outra época, voltei para a Cultura, ao lado de Julio Garcia e José Carlos Silva, e posteriormente para a Difusora, com André Luiz, Matheus Monteiro, Paulo Sérgio, entre outros”.

Grandes jogos


“Já nos tempos de São João da Boa Vista descobrimos o “filão” que era cobrir grandes jogos do futebol brasileiro. Naquela época as grandes emissoras tinham dificuldades de entrar nas cidades do interior e resolvemos trazer para os torcedores do leste paulista e sul de Minas as transmissões dos grandes clubes nos campeonatos paulista, brasileiro e mineiro. Desde 1981 fiz quase todas as decisões importantes. Alguns jogos ficaram marcados. Teve aquele fatídico confronto entre Vasco e São Caetano em São Januário onde caiu o alambrado e muita gente saiu ferida. Naquela partida eu estava a dois metros daquela tragédia e a gente não sabia se transmitia o noticiário ou se ajudava a carregar as vítimas. Eu, o Paulo Roberto e o Hugo Botelho ajudamos a socorrer as vítimas e essa partida foi marcante devido a essa tragédia. Eu estava na final do Campeonato Brasileiro de 1995 quando o Márcio Rezende teve um erro gravíssimo e prejudicou o Santos contra o Botafogo. Outro erro que presenciei foi do Márcio Rezende de Freitas na partida entre Corinthians e Internacional em 2005, quando ele expulsou o Tinga erradamente e favoreceu o Corinthians que acabou sendo campeão brasileiro naquele ano. Dentre os jogos memoráveis que acompanhei não tem como deixar a Caldense de fora. O ano de 2002 foi inesquecível. A Caldense foi campeã com grandes exibições e foi uma coisa marcante para o futebol de Poços de Caldas. E também a decisão do Mineiro de 2015, quando a Caldense chegou, invicta, contra o Atletico-MG e só não foi campeã pelo erro do assistente”.

Craque

“Eu vi o Pelé jogar e ele é indiscutivelmente o melhor de todos os tempos. Mas tive a oportunidade de ver de perto grandes nomes e entrevistar quase todos os grandes jogadores do nosso futebol como Zico, Rivelino, Ronaldinho Gaúcho, Ronaldo Fenômeno. Vi de perto grandes treinadores atuando. O Brasil sempre foi muito rico em talentos e sou um privilegiado de ter visto muitos deles”.



Tempos modernos
“Neste trinta e seis anos de profissão a mudança no rádio esportivo foi muito grande. Houve uma evolução impressionante. Quando comecei em 1979, para se ter uma ideia, usávamos uma linha só de transmissão e a gente não ouvia o que estava acontecendo. Você tinha que trabalhar num verdadeiro “voo cego”. Certa vez a gente transmitiu uma partida inteira em Orlândia, interior de São Paulo, a rádio saiu do ar e continuamos, sem saber, a transmissão até o fim da partida e só depois descobrimos que ninguém ouviu o jogo. Não existia celular. Em determinados lugares a gente conseguia sintonizar a rádio e ouvíamos o som pelo rádio mas onde isso não era possível o trabalho era complicado demais. Hoje o rádio já entrou na era digital e é possível fazer uma transmissão sem fio. No passado os repórteres eram obrigados a carregar um emaranhado de fios. Fiz jogos com mais de 70 emissoras de rádio e imagina como era a situação e as condições de trabalho. Hoje com a modernidade o trabalho é facilitado e nós da imprensa temos condições de passar a informação com a certeza de que o ouvinte está sendo bem informado.” A Mantiqueira FM tem, inclusive, um equipamento que se chama “Tieline”, com o qual você transmite por linha telefônica e até mesmo pela internet. É o equipamento que todas as grandes emissoras usam, hoje”.


Rádio Mantiqueira FM

“Hoje a Mantiqueira está dando cobertura para todas as modalidades. Vivemos no país do futebol e por isso é o “carro chefe”, que também facilita os patrocínios. Temos um programa diário que evoca todos os esportes, mas o futebol é a modalidade que o ouvinte prefere. E como a própria Caldense está na primeira divisão ela também merece um destaque de nossa equipe. Vamos iniciar o ano dando toda a cobertura para a Caldense na elite mineira e como ela vai disputar a Copa do Brasil e o Brasileiro da Série D, daremos enfoque também, transmitindo os jogos onde a Caldense estiver. Depois disso vamos cobrir o Campeonato Brasileiro.”

Futebol local

“A Caldense está no caminho certo, tem um bom time, mas vai disputar um campeonato muito difícil. Não tem time fraco no campeonato deste ano. Villa Nova e Caldense já foram campeões mineiros. Não dá para prever nada. Não tem como saber quem vai cair e por isso o trabalho da Caldense é forte e o time está investindo num momento bom. Acredito que a Caldense entra no campeonato numa excepcional condição. A equipe é forte, tem uma base sólida e as contratações feitas até agora são de primeira qualidade, por isso eu acredito muito na Caldense nesse campeonato”.



Futebol ano todo
“Como torcedor e cronista esportivo torci muito para que a Caldense se mantivesse em atividade o ano todo. Espero que a Veterana continue firme no seu propósito de conquistar novamente a vaga para a Copa do Brasil de 2018 e que em 2017 consiga o acesso para a Série C, pois ela mostrou, nos dois últimos campeonatos, que tem condições para isso”.

Campeã de 2002 e vice de 2015


“No tempo que estou militando na imprensa esportiva de Poços o melhor time da Caldense que vi atuar foi o campeão de 2002. Aquele time jogava por música. Se aquela equipe entrasse na Copa do Brasil daquele ano iria “arrebentar”. Aquela equipe tinha pinta de campeã. A derrota no Supercampeonato Mineiro foi um acaso. O time era superior ao Cruzeiro, mas não viveu uma tarde feliz e perdeu o campeonato mas isso não desqualificou o grupo, que era fantástico”. O time de 2015 também era excepcional. Chegar a uma decisão invicta e deixando para trás equipes como América e Cruzeiro já é algo que merece respeito. E volto a dizer: o time deste ano pode surpreender também”.

Futebol amador
“A gente sonha com um futebol amador mais organizado em Poços de Caldas, mas ao mesmo tempo sabemos das dificuldades e não é fácil manter o futebol amador nem para a entidade e muito menos para os clubes. Tem dirigente que coloca a mão no próprio bolso para manter seu time em campo, mas a maioria não tem verba para isso e sobrevive com muita dificuldade. Mesmo assim, em relação a outras cidades que trabalhei, o futebol amador em Poços está caminhando razoavelmente bem. Nossa Liga tem um campeonato com duas divisões, poucas podem se dar ao luxo de realizar campeonatos assim. Duas divisões acabam motivando quem está embaixo a subir e quem está na divisão acima não perder o posto, mas amadorismo é amadorismo e sempre vai aparecer um defeito ou outro, mas é tudo dentro da normalidade”.


E os outros?
“A preferência no Brasil é o futebol. Ele mexe com o torcedor e diretamente com o cronista que vive do esporte. É uma coisa natural a divulgação de uma modalidade que terá mais retorno e será mais rentável e isso já afeta outras atividades esportivas. Os outros esportes, principalmente em Minas Gerais, ficam às vezes inviáveis. O Estado é muito grande e para se cobrir uma competição de nível em qualquer modalidade que seja você vai encontrar muita dificuldade. As competições com um nível inferior acabam não sendo atrativas. Vou tomar como base o futsal, um esporte derivado do futebol e que poderia ter uma abertura melhor. É praticamente impossível realizar uma competição estadual e uma equipe sair de Poços de Caldas e ir jogar no norte de Minas. Eu já cobri campeonatos em que apenas quatro participantes se inscreveram para uma competição num final de semana em Uberlândia. Esse tipo de competição é deficitária e acaba afetando o trabalho da imprensa. Infelizmente o esporte especializado enfrenta dificuldades que o futebol consegue ultrapassar devido ao apelo popular que tem”, em Minas Gerais. É assim tem sido para o basquete e o vôlei também.



Privilegiado
“Estou trabalhando com o professor Edgar de Oliveira já há três anos. Fizemos uma parceria que vem dando certo e que nos abriu as portas para nossa sobrevivência profissional num momento muito complicado para mim e para o narrador André Luiz. Aliás, com o André Luiz retomamos uma parceria que começou em São João da Boa Vista no início dos anos 80. O André Luiz é, para mim, um dos maiores narradores do rádio esportivo do Brasil. Aliás, sou um privilegiado, pois sempre trabalhei com pessoas do mais alto nível. Desde o Luiz Roberto, hoje na TV Globo, com Hugo Botelho, hoje no ESPN, com Batista Gabriel e também o Júlio Garcia que poderia ter recebido mais oportunidades no rádio esportivo de Poços de Caldas. E, claro, o André Luiz, que é acima da média.


Realização
“Sou realizado profissionalmente. Claro que financeiramente nem os grandes nomes do rádio podem dizer que estão realizados, mas estou feliz com a profissão que escolhi. Dentro do nosso mundo de emissora do interior, no qual passei grande parte de minha vida, fiz quase tudo. Faltou um jogo fora do Brasil, sei lá, talvez uma decisão de Libertadores, um jogo de eliminatória de Copa do Mundo, mas quem sabe isso ainda não acontece em minha carreira, que não terminou. Certa vez a Rádio Iguatemi de Osasco me propôs um trabalho que me levaria ao Mundial de 1994. Mas pesou o lado familiar, pois o emprego seria temporário e eu seria dispensado assim que a Copa acabasse. Então decidi não ir ao Mundial dando prioridade aos meus familiares, pois eu estava empregado numa emissora e não achei a proposta interessante. Meus filhos na época eram pequenos e eu não poderia me dar ao luxo de perder o emprego.”

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