sexta-feira, 24 de março de 2017

Artilheiro Milton relembra o título de Campeã Mineira do Interior de 2004

Milton é daqueles jogadores que exalam garra, raça e vontade. Não a toa, recebeu o apelido de Tanque. No Campeonato Mineiro de 2004 a Caldense foi Campeã Mineira do interior e ele foi um dos destaques do time. Marcou seis gols, três deles obras-primas. Escreveu seu nome na história da Veterana por marcar o tento da vitória contra o Cruzeiro de Luxemburgo e companhia. Teve passagens marcantes por Villa Nova, Avaí, América-MG e Ponte Preta. Atuou ao longo da carreira por 27 equipes e hoje mora em Conceição do Mato Dentro, há 165 km de Belo Horizonte, onde coordena um projeto social. Nesta entrevista, o ex-jogador conversou com Renan Muniz via vídeo conferência.
- Outro dia vi uma entrevista sua, na qual você fala que morava em uma casa sem energia elétrica, sem TV e que seu grande sonho era poder melhorar as condições de vida da sua família. Felizmente, alguns anos mais tarde você conseguiu realizar seu sonho, se tornou um grande jogador e chegou ao ápice da carreira em 1997, quando participou de uma final de Campeonato Mineiro pelo Villa Nova enfrentando o Cruzeiro no Mineirão com 132 mil pessoas. O que você sente ao olhar pra trás e ver que através do suor do seu trabalho conseguiu dar melhores condições à sua família?
- É gratificante demais, Renan. Meu pai não enxergava, ele sofreu um acidente e ficou cego. Desde pequeno eu andava com ele para guia-lo. Na verdade ele nunca me viu, só conhecia a minha voz. Eu sonhava em dar uma televisão para ele, nem que fosse para apenas ouvir o áudio. Minha família era muito humilde e muito carente. Minha mãe era lavadeira e tinha seis filhos, eu era o caçulo. Cada um se virava como podia para ajudar em casa. Em um certo dia, ia acontecer um jogo na minha cidade contra os veteranos no Atlético e tive a oportunidade de jogar. O pessoal gostou do meu futebol e me convidaram para fazer um teste na base do Atlético. Fui aprovado, mas na mesma época também fiz um teste no Villa Nova e me aconselharam de ir para lá, pois era um time menor e eu teria mais oportunidades. Ali começou minha história no futebol. Morei quatro anos debaixo de arquibancada lá no Villa, de 91 a 94, e logo em seguida assinei meu primeiro contrato profissional. Graças a Deus consegui, com muito sacrifício, comprar uma TV para meu pai, ele ficou muito feliz. Devagarzinho a nossa situação foi melhorando, mas infelizmente ele veio a falecer em 2003. Foi um momento muito duro na minha vida. Mas quando cheguei, ao final do ano, em Poços de Caldas, me senti muito amparado e isso me ajudou a superar a perda dele.

- O Mineiro de 2004 foi muito emocionante. As últimas rodadas foram extremamente disputadas, a Caldense conseguiu aquela vitória por 2 a 1 sobre o Guarani no último jogo e ficou empatada em pontos com outras duas equipes, se classificando nos critérios de desempate. Quais foram os momentos mais marcantes daquela conquista?
- O ano de 2004 foi abençoado, foi a primeira vez que vesti a camisa da Veterana e depois tive o privilégio de retornar em 2005. Foi uns dos bons momentos da minha carreira. Cheguei à Caldense no final de 2003, para a pré-temporada. No começo do Campeonato Mineiro de 2004, fiquei no banco, como opção. Estreamos com derrota para o Américo-MG em BH e no segundo jogo tive minha primeira oportunidade, atuei como meia e ganhamos do Social por 2 a 0. Logo em seguida, enfrentamos o Cruzeiro, que estava estreando Rivaldo e Alex e ainda contava com um elenco recheado de estrelas comandado por Luxemburgo. Foi um jogo muito difícil, mas tive a honra de marcar um gol e conseguimos vencer por 1 a 0.

- Pois é, esse gol entrou para a história da Caldense. Um golaço contra um time que havia acabado de ser campeão mineiro, brasileiro e da copa do Brasil. O Ronaldão recebeu um público de 7.200 pessoas e a partida foi narrada pelo ilustre Fiori Gigliotti. Qual foi o detalhe do lance?
- Me emociono até hoje quando revejo o lance. A narração do Fiori é de arrepiar. Eu ganhei aquela bola de costas para o gol entre Auguste Recife e Cris, girei, trombei, fui conduzindo e bati pro gol. Muitos acham que foi um golaço porque a bola encobriu o goleiro, que eu dei a cavadinha. Na verdade confesso que chutei a bola para ir meia altura, mas ela bateu no joelho do Cris e fez toda aquela trajetória e passou por cima do Artur. O detalhe do lance é que, se você repararem bem, assim que chutei a bola alguém pisou no meu pé e minha chuteira saiu. Não quis nem saber, saí correndo descalço pra comemorar, bati no peito, vibrei muito com a torcida, ajoelhei e agradeci a Deus. Mas gostaria de dizer que aquela foi uma vitória do grupo. Dominamos a partida, todos os nossos jogadores atuaram muito bem. Nenê Miranda ajudou bastante, Maranhão lá atrás, Alencar pegando tudo, Senegal no meio. Esse jogo nos deu muito moral pra sequência do campeonato.

- Legal, vamos voltar então à nossa retrospectiva daquela temporada. Ainda tivemos vários jogos marcantes como a vitória por 4 a 2 sobre o Ipatinga e o próprio jogo onde a equipe conseguiu a classificação sobre o Guarani, onde os torcedores invadiram o campo e deixaram os jogadores só de sunga.  O que mais você recorda?
- Na época o Ademir Fonseca era o treinador, ele nos ajudou demais. Nosso grupo estava muito focado nos objetivos. Eu tinha um temperamento difícil, mas alguns jogadores do grupo que eram mais experientes me aconselhavam bastante. Recordo de um belo gol que marquei contra o Valério de Itabira, onde roubei uma bola na intermediária, dei uma meia lua no zagueiro e o goleiro saiu do gol para tentar abafar, nisso toquei por cima e saí para o abraço. No total marquei seis gols nesse campeonato. Mas essa partida contra o Guarani foi um momento de muita alegria. O Toledo fez um gol no finalzinho, nos deu a classificação e o título de campeão mineiro do interior. Foi uma explosão de felicidade nas arquibancadas, os torcedores invadiram o campo e levaram tudo dos jogadores. Pegaram minha camisa, bermuda, meião, chuteira e quase levaram minha sunga também (risos). Depois do jogo desfilamos no caminhão de bombeiros pela cidade, foi muito especial. Acredito que fomos merecedores disso tudo, mas infelizmente na semi-final deixamos a desejar contra o Atlético e acabamos sendo desclassificados.

- Como tem sido sua vida hoje?
- Parei de jogar em 2010 no Valério. E antes disso em 2009, já havia me formado em um curso para treinador de futebol. Trabalhei como técnico em algumas categorias de base e em seguida iniciei um projeto social chamado “Bom de Bola, Bom na Escola”, com 150 garotos cadastrados, que visa ensinar os fundamentos do futebol e também se preocupa em formar cidadãos, homens de caráter.

Nenhum comentário: